segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Os lábios de Val Kilmer

Rogério era conhecido como um dos maiores machões do bairro Bela Vista. Para ele um homem deveria se limitar a higiene, tudo mais era “frescura”. No trabalho, como pintor, não dava chance a demonstrações de delicadezas. A maneira de pegar as ferramentas, de falar, de usar as roupas, ou se comporta como macho ou é “fresco”. Preferia usar o palito de dente a usar o fio dental. Achava coisa feia o uso de fio dental e não percebia que ficar com a mão cobrindo a boca enquanto limpava os dentes não é nada higiênico. Banho tinha que ser frio. Até sua mulher sofria com seu estilo “machão”. Nada de muitos esmaltes. Sem essa de inventar modas com os cabelos. Um dia um dos filhos chegou em casa usando anel e já ouviu a bronca do Rogério: - Que isso rapaz? Macho que é macho usa no máximo um relógio. E relógio de homem, não essa “frescurada” de reloginho colorido. O filho tinha feito um furo na orelha, mas guardou o brinco no bolso, pensou em primeiro testar o pai, por isso colocara o anel. Quando ia a barbearia todos já sabiam sua frase assim que sentava na cadeira do barbeiro: - Corte de macho, Zé, corte de macho. Tentar lhe aparar as sobrancelhas poderia gerar uma briga. Para ele, homem não cortava sobrancelhas. Fazer as unhas então seria uma afronta, passar base, seria briga na certa. Tudo em torno de Rogério lembrava um verdadeiro e típico “machão”. O jeito de bater a porta do carro, a maneira de dirigir, de andar e de cuspir. Certo dia na barbearia Rogério surpreendeu alguns clientes conversando sobre novela. Disse a eles que novela era coisa de “mulherzinha”, homem fala é de futebol. Encerrou-se a conversa e passaram a prestar atenção ao filme que passava na televisão. O filme A Sombra e a Escuridão, de 1996, contava a história de dois leões que aterrorizaram certa região da África no final do século XIX. Pensaram que agradariam mais a Rogério vendo junto um filme em que os personagens tinham que ser muito machos para enfrentar aqueles leões. E assim seguiram os comentários: - Os caras tinham que ser muito machos para encarar as feras – disse Leonardo. Só que Rogério achava que “fera” era linguagem de fresco, o certo seria bicho brabo ou simplesmente leões. Logo alguém começou a tentar acertar os nomes dos atores. - O mais velho é o Michael Douglas – disse Antonio. Ninguém discordou. Leonardo seguiu: - Agora esse mais jovem é o... Todos aproximaram a cabeça em direção a TV e franziram a testa buscando na memória o nome do jovem ator. Não demorou muito e o machão da turma disse com convicção: - É o Val Kilmer. Ele fez o Batman. Eu reconheci pelos seus lábios. O barbeiro quase largou a tesoura. Antonio ficou de boca aberta. Seu João quase deixou cair à dentadura. Leonardo levou a mão à boca. Mas ninguém teve coragem de pedir que ele repetisse a afirmação. Contariam aos amigos, ou guardariam a frase como eterno segredo? Rogério havia reconhecido o Val Kilmer pelos seus lábios.

Seu Manual

- Seu Manual o que é onomatopeia? - Meu jovem, onomatopéia é a criação de uma palavra para reproduzir sons ou ruídos. Exemplos: Blim-blom (som da campainha) ou Tique-taque (som do relógio). - Legal!

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O folgado do Ipiranga

Raimundo era folgado e assunto encerrado. Em casa mal chegava e as ordens já passava. “Baixem o volume desse rádio”, mas se o assunto o interessava, “aumentem já esse volume”. “Tirem já o lixo”. “Por que ainda tem louça na pia?” “Raimundinho me traga um copo de água, e gelada”. “Alguém me alcance uma toalha de banho, e rápido”. Raimundo pedia tudo para todo mundo, o bairro Ipiranga inteiro sabia disso. Se fosse um rei de verdade até faria algumas coisas sozinho, mas não o Raimundo. A mania de dar ordens e querer que se fizessem as coisas a sua maneira era levada até as ruas, até com desconhecidos. Pedia favores a qualquer um. Se é que alguém havia lhe apresentado um tal de “por favor”, ele havia esquecido. Certo dia Raimundo agrediu um vizinho por conta de brigas entre seus cachorros. O vizinho foi fazer um BO. A denúncia era grave, tinha até testemunhas. Raimundo olhou para um menino na rua e disse para ele ver se o tal vizinho não queria que lhe chamassem um táxi, disse que sangrando e nervoso daquele jeito um ônibus não seria boa ideia. Raimundo entrou no bar do seu Peruca. Era sábado pelo meio da manhã. Dia quente e bonito. Raimundo pediu uma cerveja bem gelada e começou aquela conversa de sempre que parece ter um rumo, mas não leva a lugar nenhum. Avaí sobe, Figueira desce, Criciúma e Joinville vão mesmo ou morrem na praia. Seu Peruca sabia que Raimundo preferia que alguém o servisse, então abriu a garrafa e começou a encher seu copo. Raimundo via a espuma branca subindo e o copo já transbordando. Sentia a boca seca tanto pelo calor bem como pela discussão acalorada com o vizinho. Assim que pegou o copo e ameaçou levá-lo a boca ouviu alguém dizer: - Quem é seu Raimundo? Quem perguntou foi um policial. Raimundo tomou o primeiro gole e disse: - Sou eu! Por quê? - O senhor está preso! Tem de nos acompanhar. Com o copo na mão Raimundo respondeu: - “Pera aí, pera aí”. Eu vou sim, mas primeiro vou acabar minha gelada. Trabalhei a semana inteira e to cansado. Eu vou numa boa, mas “pera” aí. Os policiais trocaram um olhar em que pareciam em dúvida. Ou esperavam ou arrumavam uma baita confusão com aquele sujeito dentro do bar. Raimundo tomou toda a cerveja e passou a mão na boca. Olhou para os policias e disse: - Vão pegando as algemas. Amarrem pela frente que é melhor pra sentar e passar a mão no rosto. Depois de algemado o conduziram até a viatura em frente ao bar. Abriram a porta e Raimundo entrou. Quando os policiais entraram e se acomodaram, Raimundo disse em alto e bom tom: - Toca pra delegacia!

Impaciência

É fácil ver nas ruas a falta de paciência das pessoas, não de todas, mas de muitas. Se o motorista da frente leva mais de três segundos para seguir em frente o de trás já mete a mão na buzina. Se alguém para o carro para alguém atravessar a sua frente, para um desembarque ou coisa parecida o motorista de trás já mete a mão na buzina. Se um caixa num supermercado, casa lotérica ou agência bancária manifesta um problema, alguém já xinga. Muitos andam com os “nervos a flor da pele”. Talvez não devessem deixar para mostrar um “espírito de paz e compaixão” em apenas algumas datas do ano. Paz e paciência são importantes todos os dias. Faz bem ao coração, melhora o senso de humor. Da próxima vez que for “buzinar” por raiva, procure ver qual o real motivo dessa impaciência. Com certeza não é o motorista da frente. Paciência.

Seu Manual

- Seu Manual qual a diferença entre delatar e dilatar? - Delatar é denunciar, acusar de crime. Dilatar é aumentar, ampliar, alargar. Entendeu? - Perfeitamente!

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Currículo de ladrão

Algumas notícias mexem com a nossa imaginação, ou pelo lado cômico ou pelo trágico. Semana passada o jornalista Evaristo Costa, do jornal Hoje, deu uma dessas notícias. Ele disse: - Ladrão foge e esquece currículo – A notícia mais completa informava que um taxista fora assaltado e como reagiu ao assalto levou uma facada nas costas e o ladrão fugiu. A parte interessante foi “ladrão foge e esquece currículo”, dentro do taxi. Aí a imaginação vai longe. Procurei ouvir amigos da Guarda Municipal, da Policia Militar, entre outros das mais diversas profissões, tudo no intuito de definir como seria um currículo de ladrão. Talvez o currículo dissesse: Nome, especialidade, e se tem habilidades com armas de fogo. Talvez algum destaque a boas maneiras durante o “serviço”. Quem sabe alguma observação de que o sujeito costuma respeitar suas vítimas, especialmente mulheres casadas e mocinhas indefesas. Em um dos currículos constaria até uma pequena demonstração do método usado pelo experiente e dedicado ladrão: - Bom dia! Posso ter um minuto de sua atenção, senhora? - Pois não. Mas não tenho muito tempo! - Serei breve. Bem, isto é um assalto. Passe por favor, dinheiro, cartões, joias, e o que tiver de valor, por favor. - Claro. Desculpe a pergunta, sua arma tem registro? - Perdão, senhora. Está bem aqui, veja. Pratico tiros com frequência. Sabe como é quem não se aperfeiçoa, fica para trás. - Ah, é que me sinto bem mais segura assim, obrigado por sua compreensão, senhor ladrão. - Não por isso. Foi um prazer. Ah, tem algumas fotografias que parecem de família, creio que a senhora quer ficar com elas. - Sim, obrigado! - A senhora se cuide, por favor. Há muitos ladrões despreparados por aí. - O senhor também, nem todos lhes respeitam. Um ladrão como o citado acima com certeza teria um bom currículo. Um cliente relatou que quando fora pescar teve seu carro arrombado. Aliás, muito bem arrombado. O vidro fora retirado com perícia. Nada quebrado, nem vidros nem portas nem painel. Tudo em ordem. O vidro que foi retirado ficou encostado na lateral do carro, próximo ao pneu traseiro. O dono do carro saiu “satisfeito”, admirado com o profissionalismo do ladrão: que currículo deve ter esse homem! Quando chegamos ao ponto de pessoas ficarem “satisfeitas” por um ladrão pelo menos não ter sido violento é porque a coisa está feia. Há uma teoria sobre o caso da notícia do Jornal Hoje: talvez o currículo se referisse a algum trabalho sério, anterior ao crime. Caso contrário o mundo está tão concorrido que não basta saber roubar, tem que ter um bom currículo.

Dança

Zé Carlos aprendeu a dançar bolero. Treinou a exaustão. Um dia, durante um baile, entrou na pista dançado bolero com charme e perfeição. Mas Zé Carlos não havia notado que estava tocando samba. Ou ele dançava o ritmo do momento, ou sairia da pista. Zé Carlos “dançou”.

Seu Manual

- Seu Manual o que é uma hipérbole? - É uma expressão que exagera os fatos a fim de impressionar. Exemplo: Já falei mil vezes para você confiar em mim. Riu tanto que rasgou a boca. Entendeu? - Sim!

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Encontro saudoso

Foi puro acaso. No calçadão da Felipe Schmidt todos se encontraram, um a um. Vinha da Praça XV seu “Bom Dia” e logo avistou dona “Boa Tarde”. Emocionaram-se e disseram um ao outro: - “Bom Dia”. - “Boa Tarde”. - Que bom te ver! - Eu é que digo! - Como tem passado “Dona Boa Tarde”? - Ah meu amigo, que saudades dos bons tempos, de quando éramos reconhecidos e tão bem usados. - Calma dona “Boa Tarde”. Tenho Esperança que os bons tempos voltarão. - Por falar em Esperança, essa não morre mais, olha quem vem lá. - O “dona Esperança”. Estávamos justamente falando na senhora. - Que surpresa, alguém falando em mim! - Ah, não diga isso “dona Esperança”. Tenho certeza que nós estamos bem menos em moda – disse “dona Boa Tarde”. - Olha quem vem logo ali – disse “seu Bom Dia” – É o “Por Favor”. - “Bom Dia, Boa Tarde, Esperança”, que prazer tenho em vê-los! - Ah, essa sua Educação é maravilhosa “seu Por favor” – falou “dona Esperança” – Aliás, alguém tem visto a “dona Educação”? - Vejam que coincidência – disse “dona Boa Tarde” – Olhem quem se aproxima. - “Seu Bom Dia, dona Boa Tarde, seu Por Favor, dona Esperança”, sinto imensa satisfação em estar aqui com vocês. Me orgulho de conhecê-los e de tê-los encontrado hoje. - A “dona Educação” de sempre. Não mudou nada – Disse “seu Por favor”, havia até um ar meio de galã, mas talvez fosse só cortesia. - Vocês nem vão acreditar em quem está vindo para cá. Estávamos a pouco conversando em frente o edifício Dias Velho – Quem? – Perguntaram todos curiosos. - O seu “Obrigado” – respondeu “dona Educação”. - Meus queridos e preciosos amigos – falou vigorosamente seu “Obrigado” – Quem bom encontrá-los! - Seu Obrigado, tem visto “dona Gentileza”? – Perguntou “dona Educação”. - A vi ontem. Está muito desanimada. Foi aposentada quase que a força. É lamentável! “Seu Bom Dia”, cheio de recordações, disse: - Ah que saudades dos tempos em que éramos populares. As pessoas nos usavam a todo o momento. Bons tempos aqueles. - Calma “seu Bom Dia”. Ainda há os que não nos abandonaram – disse “dona Esperança”. Ela continuou: - Ontem mesmo fiquei observando um casal com cerca de 50 anos de idade. Falaram em nós todo o dia e em todos os lugares os quais frequentaram. - Sério? – Perguntou seu “Por Favor”. - Sim, é sério. O marido assim que viu a esposa abrir os olhos disse “Bom Dia”. Foram juntos a padaria e além de repetir essa preciosidade disseram a moça atrás do balcão “Por favor”, dois pães. Em seguida disseram muito “Obrigado”. No almoço quando foram servir-se, o marido disse a esposa por “Gentileza” me alcance o arroz. Depois do almoço disseram a várias pessoas “Boa Tarde”. Ao caminharem por um supermercado lembraram até da dona “Com licença”. Logo depois do pôr-do-sol, deram “Boa Noite” a vizinhos. Ah, mas a parte mais tocante veio depois. - E o que foi? – Perguntou curioso seu Por Favor. - O marido olhou para a esposa e disse: Sabe meu bem, com toda falta de respeito que há hoje, eu sempre mantive viva a “Esperança” de encontrar alguém como você. A esposa olhou para o marido e disse: Dentre todas as suas maravilhosas qualidades o que mais me encanta é sua incomparável “Educação”. Confesso que ao ouvir esse casal senti saudades do seu “Elogio” - Seu Bom Dia, dona Boa Tarde, seu Por Favor, dona Esperança, dona Educação, seu Obrigado se abraçaram e combinaram uma visita a dona Gentileza e a dona Com licença que se sentem muito esquecidas. A Esperança é manterem-se unidos e fazê-los voltar à boca e a vida dos que as esqueceram. Talvez até encontrem o Elogio pelo caminho.

Seu Manual

- Seu Manual eu ouvi uma pessoa dizer: Senti muito dó dele. Está certo? - Está sim! Muito dó. - Obrigado!

domingo, 2 de setembro de 2012

BMX Pantera

Sou saudosista assumido. Dia desses quando o assunto era bicicleta, lembrei da minha primeira. O ano era 1983. Observava os colegas com suas bicicletas e imaginava quando seria minha vez de pilotar a minha. Quando meu amigo Rogério disse que estava disposto a vender sua BMX Pantera, por sete mil cruzeiros, fiquei pensando em como conseguir o dinheiro. Pensava em quando seria o momento de pedir a meu pai. Numa manhã de sábado enquanto meu pai se barbeava entrei no banheiro e dei a notícia: - Pai. O pai não vai acreditar. O Rogério quer vender a bicicleta dele. É uma BMX Pantera, pai. É altas bicicleta, ta inteirinha. E ele só quer sete mil, pai – Meu pai, com o rosto cheio de espuma e o prestobarba na mão, disse me olhando pelo espelho: - E você acha que é assim filho? Pensa que sete mil não é nada? – Achando que não devia desistir, argumentei: - Pai, se o pai me der essa bicicleta, eu prometo que nunca mais peço nada para o pai. Meu pai deu uma gargalhada. Primeiro porque estava no ar à novela Eu prometo, e a frase estava em alta. Segundo por ter certeza que eu jamais cumpriria essa promessa. Ele terminou a barba, bateu o aparelho na pia e me disse: - Vá à casa do Rogério e diga que a bicicleta é sua. Já vou te dar o dinheiro. Saí pulando na rua. Não dava pra caminhar, fui aos pulos a casa do Rogério que morava a uns 50 metros de minha casa. Que sábado. Lavei aquela bicicleta como nunca tinha me lavado antes. Nos dias a seguir quebrei a promessa feita a meu pai. Acessórios. Punhos. Buzina. Um selim mais confortável. E uma espécie de estojo que ficava na barra superior da Bike com o poderoso nome BMX PANTERA. Ela era da cor prata, linda. Meu melhor amigo e vizinho, Alexandro, não tinha bicicleta, e mesmo com ciúmes da minha Bike, eu deixava ele andar com ela. Eu estudava no Cabral, no bairro Bela Vista, de manhã. O Alexandro estudava à tarde no Wanderley Junior, no bairro Ipiranga. Quando brincávamos juntos enquanto um pedalava o outro corria ao lado aguardando sua vez. Ao meio dia meu amigo ia me buscar no Cabral e no final da tarde eu ia buscá-lo no Wanderley. Certa manhã não encontrei minha BMX no ranchinho atrás de casa. Havia sido roubada. Com onze anos chorei mais que um bebê com fome. Foram vários dias até me acostumar sem ela depois de cerca de um ano. Algumas semanas depois meu cunhado Lindomar viu um menino com minha bicicleta num dos bairros da região. Ele me disse que tinha uma surpresa. Junto com meu pai ela havia recuperado minha Bike. Quando a vi no meu quarto foi mais uma choradeira. Um dia vendi minha BMX. Não sei se quem a comprou curtiu tanto quanto eu, mas confesso que me arrependo de tê-la vendido. Se eu a encontrasse hoje, isto é, se é que ela ainda existe eu a compraria e nunca mais a venderia. Eu prometo!

Seu Manual

- Seu Manual é meio dia e meio ou meio dia e meia? - É meio dia e meia. Assim como meia noite e meia. Lembre que é metade de uma hora. Meia hora. Portanto é meio dia e meia.

Alcoolistas?

Com o aumento do consumo de drogas o alcoolismo pode passar despercebido. Quem pode ser um alcoólatra ou alcoolista? Qualquer um que demonstre descontrole ou imoderação com frequência quando bebe. Conhece alguém assim? Não tem cura, mas há tratamento. É admitir o problema e procurar o AA. Feio e triste é a família continuar sofrendo, além do alcoolista é claro.