quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Empatia e sensibilidade


Num mundo em que muitos reclamam do capitalismo. A população entretida em inúmeros afazeres de ordem profissional, acadêmica, social e recreativa.

A tal crise financeira. O desejo de ter cada vez mais. Longos dias de trabalho. Picuinhas entre amigos e familiares. Toda uma correria “maquiada” por uma aproximação on-line.

Estamos mais próximos graças à tecnologia ou estamos nos enganando?

Em nossas aparições nas redes sociais através de fotografias, opiniões e mensagens parecemos felizes, completos e decididos.

Por que parece ser preciso ocorrer uma tragédia para nos fazer parar, pensar e usar de empatia? Nos colocar no lugar dos outros. Ou “sentir em nosso coração a dor de outro”.

Tragédias envolvendo guerras, violência contra adultos, mulheres, idosos e crianças ocorrem em todo o mundo e todos os dias. Parece que o sofrimento alheio é algo distante.

Na realidade nem sempre é assim. Esta semana uma tragédia mexeu profundamente com os sentimentos da maioria das pessoas, até aqueles aparentemente menos sensíveis.

A tragédia na madrugada de terça-feira, dia 29 de novembro de 2016 que tirou a vida de mais de 70 pessoas, entre elas a delegação com time da Chapecoense ultrapassou Chapecó, Santa Catatina e o Brasil.

O time da Chapecoense de maneira modesta e incrivelmente organizada superou dificuldades e ganhou a simpatia dos Catarinenses.

A tragédia nos fez usar além da empatia, a sensibilidade.

Não havia e não haverá como conter as lágrimas. Jornalistas tentando manter o profissionalismo, mas com olhos marejantes e voz embargada.

Homens ficaram perplexos e muitos admitiram que choraram.

De certa maneira parece que todos nos identificamos de alguma maneira; seja como filhos, pais, amigos ou simplesmente humanos.

Afinal de contas, crianças vão enterrar o pai. Homens e mulheres seus filhos.

Comentários em desespero e por falta de respostas são do tipo: “Deus quis assim”. “Era para ser assim”. “Deus tinha um plano para quem morreu e para quem não morreu ou não embarcou no avião”. “Que Deus é esse?”

As religiões continuam deixando lacunas quando o assunto é a morte e tragédias.

Solidariedade às famílias e amigos é essencial. Mas houve alguém ou alguns responsáveis?

Apurar o porquê aconteceu é vital. Se há responsáveis ou irresponsáveis esses devem ser punidos. 

Não trará de volta os que morreram, mas punirá culpados e poderá evitar outras tragédias.

Que lição ficará em nossas vidas? O que pretendo mudar na minha maneira de viver e encarar amigos, familiares, colegas de trabalho e vizinhos?

Se continuarmos a aguardar por tragédias para nos fazer refletir e nos unir haverá necessidade de mais mortes trágicas.

Mas se usarmos da capacidade de nos colocar no lugar dos outros nas mais diversas situações, sentindo suas “dores em nosso coração” vamos demonstrar – empatia.

Se nos sensibilizarmos com as pessoas em situações que não são trágicas e demonstrarmos compaixão, usaremos de – sensibilidade.

Em memória das mais de 70 vítimas, familiares e amigos podemos fazer mais do que lamentar.

Podemos nos tornar melhores!


quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Fé como investimento


É difícil encontrar alguém que não tenha fé. Mesmo quando se diz não tê-la ainda assim ela é demonstrada.

Fé que seu time vai para a Série A. Fé que seu time não será rebaixado.

Fé que passará no vestibular ou no concurso público.

Fé que nosso casamento e filhos serão bem sucedidos.

Fé na teoria de que evoluímos de macacos e fé de que somos uma criação de Deus.

Fé que as coisas vão melhorar. Fé que ainda vão piorar.

Fé na chuva e no sol. Fé que a terra produz o que se planta.

Fé no dia e na noite. Fé na previsão do tempo.

Mas parece que a fé tomou um rumo um tanto confuso, incerto e talvez desvirtuado.

Numa luta, dessas que andam na moda, um lutador de cada lado faz seu gesto de fé, religioso, por vezes o – sinal da cruz.

Antes de uma partida de futebol (ou de qualquer outro esporte) tanto jogadores como torcedores rezam por seu time. Até líderes religiosos pedem por uma “intervenção divina”, a seu favor, é claro.

Até em guerras a fé aparece por meio de pedidos ou orações para ter a vitória sobre o inimigo.
Sabe lá como ficaria a “cabeça” de Deus ao ouvir esses pedidos. Será que ouve? Tomaria partido ou responderia a quem pedisse com mais fé?

A fé também parece estar ligada a investimentos. “Eu deixo parte do meu dinheiro como demonstração de fé e serei bem sucedido”. “Minha empresa irá prosperar, minha conta engordar”.

Há a fé dos que pedem coisas boas. Pedem por outros. E aqueles virtuosos que têm fé para agradecer por tudo de bom e pedir mais fé para resistir com fé os momentos difíceis.

Seja antes de pegar numa arma e partir para a guerra. Ou de partir para a pancadaria numa luta. Quem sabe no início de uma partida de futebol. E até mesmo diante investimentos comerciais a fé virou “moeda de troca”, uma espécie de “toma lá dá cá”.

As Escrituras Sagradas têm uma definição interessante para a palavra fé: “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que não se veem”. Hebreus 11:1 - Versão Almeida Revista e Corrigida. Ou ainda: “A fé é a firme confiança de que virá o que se espera, a demonstração clara de realidades não vistas”. Hebreus 11:1 - Tradução do Novo Mundo.

Parece difícil viver sem fé, mas ao mesmo tempo é um desafio desenvolvê-la e mantê-la.

Algo importante é conhecer o sentido real das palavras que costumamos usar.

O que é cultura? O que é empatia? O que é imparcialidade? O que é educação?

Fé para encontrar respostas. Fé que vamos compreendê-las. Fé que colocaremos em prática.

A fé parece mesmo ser uma qualidade capaz de nos levar a bons caminhos.

Quem vai vencer; quem tiver mais fé ou quem estiver devidamente habilitado?


Haja fé para entender toda essa “confusão” sem perder a fé!

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Revolta da chibata


No dia 22 de novembro de 1910 uma rebelião que envolveu 2.400 marinheiros assustou o então presidente Hermes da Fonseca.

O líder do movimento, João Cândido Felisberto, o célebre almirante negro.

A ameaça; bombardear a cidade do Rio de Janeiro, na época capital do Brasil.

O motivo; as péssimas condições de trabalho dos marinheiros. Por péssimas condições, entenda-se: baixos salários, má alimentação e castigos físicos, entre eles o uso da chibata.

A proclamação da República ocorreu no dia 15 de novembro de 1889. No dia seguinte, o então presidente, marechal Deodoro da Fonseca, por decreto, havia colocado fim aos castigos, as chicotadas.

Na prática isso não aconteceu. No final do século XIX e início do século XX tanto a polícia bem como pais enviavam a Marinha pessoas ou filhos rebeldes.

Normalmente por erros médios os marinheiros eram castigados com 25 chicotadas.

Certo dia o marinheiro, Marcelino Rodrigues tentou entrar no navio com duas garrafas de cachaça. 

Ao ser repreendido por um superior iniciou-se uma briga onde Marcelino feriu o colega com uma navalha. A punição surpreendeu até os marinheiros que já estavam “acostumados” aos castigos. 

Marcelino Rodrigues foi chicoteado diante os colegas de maneira especial, levou 250 chicotadas. O iodo era a única ajuda medicinal que recebiam os que eram chicoteados.

Acontece então a Revolta da Chibata. Uma insurreição, um levante de cunho social por subdivisões da Marinha do Rio de Janeiro.

Na época a Marinha era composta por 50% de negros, 30% mulatos, 10% caboclos e 10% brancos.

O levante durou de 22 a 27 de novembro de 1910. O presidente Hermes da Fonseca notou que não era blefe. De fato, morreram alguns marinheiros e também 5 oficiais.

Depois de muitos maus tratos, as 250 chicotadas como punição ao marinheiro Marcelino Rodrigues levou a preparação desse motim.

Hoje notamos similaridades lamentáveis.

Maria da Penha. Uma Lei criada após uma mulher sofrer agressões por mais de 20 anos, entre elas um tiro que a deixou paraplégica.

A violência contra a mulher continua. Assim como contra crianças e idosos. Sem esquecer as vitimas dos criminosos do trânsito.

Opa, a crônica/coluna não incentiva a rebelião. Rebeliões costumam ferir e matar, inclusive inocentes. A educação, a consciência, a humanidade, a empatia e o respeito tem tudo para levar a comportamentos que jamais necessitam de rebeliões.

Há poucos dias conversei com uma mulher que admitiu apanhar do marido há 40 anos. Surras, humilhações e ameaças de morte. No exato momento em que a encontrei ela estava de saída para fazer uma denúncia. Já havia feito várias. Disse que havia sido muito bem atendida pelos policiais. 
Mas nada havia mudado dentro de casa. Em nossa conversa que durou mais de uma hora e por alguns instantes fora observada pelo marido, a mulher mostrou um roxo em seu braço esquerdo e partes da roupa rasgada. Quando mostrou o ferimento no braço, disse:

“Isso não é nada, já estou acostumada”. Disse que o marido fora muito cruel com seu filho mais velho. Ela contou que certo dia sua filha disse: “A mãe tem o que merece, parece até que gosta”. A mãe deu um tapa no rosto da filha. Parece que a filha só queria dizer a mãe: “Poxa mãe, como à senhora aguenta, a senhora não merece isso, já dura muitos anos, ponha um fim nessa história, o deixe”. Essa foi minha leitura das palavras da filha.

A senhora agredida por 40 anos disse que até suas irmãs sempre a incentivaram a continuar com o marido. Diziam que ele é um bom marido e merecia seu perdão e compreensão. Uma mulher agredida ouvir isso das próprias irmãs sugere algo terrível em nossa sociedade. Machismo, tolerância exagerada ou o quê?

Não sei se dia 22 de novembro haverá lembranças da Revolta da Chibata. Talvez haja, quem sabe com outras lições. Boa leitura é aquela em que aprendemos a ler nas entrelinhas. Nos faz crescer, amadurecer. Entender que o leitor não é e não deve ser passivo.

A chibata aplicada aos marinheiros. A violência contra a mulher que levou a criação da Lei Maria da 

Penha. A violência do trânsito comprovando que não há destino, que não existe o – era para ser assim, era para acontecer.

E atenção moças que estão namorando: Ele te feriu fisicamente, verbalmente, segurou firme pelo braço demonstrando que ele pensa ser teu dono, usa drogas ou abuso do álcool e não demonstra esforços em melhorar? Cai fora. Parte pra outra. Não faltará um homem de verdade para te fazer feliz.

Nenhum de nós precisa esperar para fazer uma revolta, nunca acaba bem para ninguém.

Revolta é contra ideias e crenças que tentam enfiar em nossa cabeça. Revolta é contra ler com pouca atenção. Não ir atrás “das massas e das mídias de grandes massas” que por inúmeros motivos e por vezes não apresentam todos os fatos ou são tendenciosos.

Podemos trocar revoltas e motins por educação, estudos, imparcialidade e muito respeito.

O almirante negro, João Cândido faleceu em 6 de dezembro de 1969. Viveu o bastante para presenciar as duas principais “revoluções” do Brasil. Em 1930 e em 1964.

A chibata literal até ficou no passado, mas a “chibata” continua castigando mulheres, crianças, idosos e vítimas dos criminosos do volante.


Mas nós podemos fazer a nossa parte, e sabemos como! 

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Só um toque


Era uma bela manhã de terça-feira e vários amigos estavam reunidos na barbearia.

Três clientes mais o barbeiro. As idades variavam entre 40 e 65 anos.

Todos estavam na expectativa pela chegada de Renato.

Tudo começara na sexta-feira anterior. As conversas sobre a saúde do homem, doenças, morte e falta de cuidados permeavam o diálogo que durou horas. E toda essa conversa porque Renato faria o exame de toque retal na segunda-feira.

Eletroencefalograma, ressonância, Raios-X (antiga chapa), tirar sangue, mas toque retal?

O Claudio disse que o PSA é o suficiente. O Artur comentou que o importante é saber se há casos na família. O barbeiro disse que os médicos hora falam em fazer o exame aos 50 e outros aos 45 anos e fica na dúvida.

Com a ajuda da internet dentro da barbearia verificaram que a idade indicada é aos 50 anos e aos 45 quando há histórico familiar. Mas como seria o exame? O barbeiro buscou mais informações.

Um conjunto de sentimentos tomou conta dos 5 homens que partiram para uma boa pesquisa.

Primeiro: O que é a próstata? É uma glândula que apenas os homens possuem. É pequena e tem a forma de uma maça. Fica na parte baixa do abdômen, abaixo da bexiga e a frente do reto.

Segundo: Os espantosos dados e as estatísticas. O INCA (Instituto Nacional do Câncer) informa que em 2016 são previstos cerca de 61.200 novos casos de câncer de próstata.

No Brasil os homens morrem 8 anos mais cedo que as mulheres pela falta de prevenção.

E apesar de todas as campanhas e incentivos apenas 32% dos homens fazem o exame. Mulheres, esposas e parceiras costumam encorajar os homens a fazer o exame.

O vice-diretor-geral do Inca, Luiz Felipe Ribeiro, diz que: a prevenção do câncer deve ser um tema que mobilize não apenas o governo, mas também toda a sociedade: “Esse desafio é da população brasileira como um todo. Cabe a cada cidadão fazer o seu papel para que a gente possa reverter esses quadros”.

Terceiro: Por que tantos homens têm receio do exame? Especialistas informam que o homem tem medo de ser penetrado. Penetrado, essa palavra fez Claudio levantar para tomar água. Artur pede um café. Jorge respira fundo. O barbeiro liga o rádio e está tocando uma música do Elton John.

Os psicólogos e especialistas na área esclarecem que a região anal é imensamente estimulante, ou seja, há muitas terminações nervosas que provocam prazer. E quando se trata de qualquer coisa ligada à sexualidade é comum homens e mulheres terem receio.

Ninguém poderia ler os pensamentos daqueles 5 homens, principalmente de Renato que faria o exame na segunda-feira. Ficou combinado um encontro entre eles ali na barbearia na terça-feira, logo cedo.
Que expectativa. O Renato seria o primeiro e dependendo do seu relato os outros 4 amigos tratariam logo de fazer o exame, ou não.
O dia havia chegado. Ao entrar no consultório Renato olha para o médico. Ele parece simpático, o que para a ocasião não quer dizer muito. Ou não. O doutor diz:

- Bom dia, seu Renato. Então, o senhor está com 48 anos e não tem casos de câncer de próstata na família. Bem, vamos ao exame.

Renato faz alguns breves cálculos. O médico aparenta ter uns 40 anos. Cerca de 1,8m de altura. 

Cabelos pretos, olhos verdes e parece gostar de malhar. Renato acha estúpida aquela sua avaliação, mas era quase involuntária.

O médico disse:

- Por favor, seu Renato, baixe a calça e incline-se sobre a maca. Procure relaxar. Tomou o laxante que foi indicado? Então, seu Renato, será um exame bastante rápido. No máximo 1 minuto. Enquanto mais o senhor estiver relaxado, melhor.

Renato sai do consultório entra em seu carro e vai para sua casa. Comenta com sua esposa como tudo correu bem.

Na terça-feira Renato se aproxima da barbearia e os amigos comentam:

- Vejam, é o Renato. Será que ele fez?

Renato entra rindo na barbearia e diz:

- Bom dia, pessoal. Como estão? Que dia bonito, hein.

- Você não fez o exame? – Pergunta Artur.

- Claro que fiz. Por que não faria? E tem mais. Já deixei agendada a próxima consulta. Na verdade minha esposa vai me lembrar.

- E como foi? – Pergunta Claudio.

- Tranquilo. Um médico atencioso, um exame rápido e principalmente, essencial a nossa saúde. Tive uma conversa com o médico após o exame e fiquei muito impressionado.

- Impressionado com o quê? – Pergunta o barbeiro.

- Com a importância do exame. Como somos cabeça dura por isso. Tão simples e pode salvar vidas. 

O doutor me deu os parabéns e eu perguntei o motivo do seu elogio.

- E o que ele disse? – Perguntou o curioso, Artur:

- Ele disse que se seu pai tivesse feito o exame até os 50 anos com certeza não teria morrido tão cedo. 

Disse que quando o pai descobriu o câncer já estava evoluído. O doutor me disse que tinha apenas 18 anos quando perdera seu pai, que tinha 56 anos quando morreu. E foi por isso que escolheu a medicina e a urologia.

Naquele mesmo dia os 4 amigos de Renato marcaram suas consultas e combinaram que contariam para o maior número de pessoas possíveis. Diriam abertamente nos bares, festas em família e ali na barbearia. Combinaram que falariam sobre os índices de câncer de próstata, de quantas pessoas poderiam ser salvas se fizessem o exame. A própria história do médico.

Artur perguntou:

- E quanto aquele lance das possíveis sensações, aquela coisa da região sensível, enfim, o que vamos dizer?

Vamos nos apegar a importância do exame e que ele pode salvar vidas – Respondeu Claudio.


Todos concordaram. O mais importante é a prevenção. Além do mais – é só um toque!

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

A distância entre Ernesto e Manoel


Manoel, filho caçula de seu Ernesto era um desses jovens dos quais se costuma dizer: Cheio de vida, planos e sem limites.

Seus cinco irmãos mais velhos pareciam ter mais em comum com o pai. Metódicos, responsáveis, prudentes.

Nesse caminho de diferentes personalidades começaram cobranças e comparações por parte de seu 

Ernesto. Na melhor das intenções o pai indicava ao filho caçula como teria maiores oportunidades e êxito caso imitasse o exemplo dos irmãos mais velhos.

As cobranças se intensificaram a ponto de “credor e devedor” não terem mais uma única conversa pacífica. A cada troca de palavras uma discussão mais acalorada. Em cada conversa uma briga que fazia crescer a distância tão rápida e sutil que nenhum dos dois notaria.

Morando na mesma casa pai e filho se viam de perto, mas se enxergavam tão longe que não parecia haver assunto entre eles; pelo menos não em algo em que concordassem.

Seu Ernesto tinha uns 54 anos e sempre fora conhecido como homem sério e trabalhador.

Com a morte do filho passou a desabafar com o barbeiro:

- Sabe rapaz. Eu acho que o Manoel não tem mais jeito. Aquele guri não me ouve. Que rapaz teimoso. Os irmãos dele são diferentes. Tanto a irmã, minha única filha mulher e meus outros quatro rapazes. Eles são responsáveis, me escutam. Tu acreditas que aquele louco do Manoel disse que vai comprar uma moto. Era só que faltava.

Manoel falava pouco sobre a difícil relação com o pai. Apenas dizia que achava o pai cabeça dura e que não apoiava suas decisões.

Outro dia seu Ernesto indignado diz ao barbeiro:

- Pois não é que o Manoel comprou mesmo uma moto. Eu já disse lá em casa que ele vai se matar com essa droga. Ainda ontem ele subiu naquela moto e saiu em disparada.

Manoel visitou o barbeiro e disse que tinha se presenteado com a moto pelos seus 18 anos recentemente completados.

Certa manhã de domingo o barbeiro caminha próximo a barbearia quando nota alguns senhores conversando de maneira tensa e se aproxima deles. Um dos senhores diz:

- Tu já soube o que aconteceu?

O barbeiro responde que não.

O senhor que fez a pergunta conta:

- Ontem à noite o Manoel, filho do seu Ernesto, morreu num acidente de moto na BR 101.

O barbeiro lembrou que no dia anterior, sábado, quando saiu da barbearia encontrou Manoel com um grupo de amigos perto da barbearia. Manoel e os amigos educadamente cumprimentaram o barbeiro e sua esposa lhes desejando um bom final de semana. Manoel era de fato um rapaz que demonstrava muita educação e simpatia.

O barbeiro foi até a casa de seu Ernesto onde acontecia o velório de Manoel.

Semanas e meses se passaram. A cada visita de seu Ernesto a barbearia a história se repetia. Seu Ernesto mal sentava e começa seus desabafos:

- Não consigo acreditar que isso aconteceu. Ele só tinha 18 anos. Nós brigávamos muito. Não havia mais papo e nem conversa, só brigas e mais brigas.
Me sinto culpado, meu amigo. Devia ter ouvido mais ele. Tinham tantas pessoas no velório e no enterro dele. Ele tinha muitos amigos. E eu não parecia ser um deles.
Por que eu não sentei na cama dele e procurei conversar mais, entender, respeitar um pouco mais o jeito dele. Isso tá me matando. Eu não aguento mais de saudade e arrependimento.

Essas conversas se repetiram por mais de seis meses. Seu Ernesto estava visivelmente transtornado desde a morte do filho. Havia emagrecido e envelhecido em meses o que era para ser em anos.

Numa manhã de terça-feira, uns oito ou dez meses após a morte de Manoel, enquanto o barbeiro abria a porta do seu salão viu uma vizinha se aproximar. Ela trazia uma triste notícia. Seu Ernesto havia morrido no dia anterior. Não fora nem doença nem acidente. A dor, tristeza, lástima, sentimento de culpa, fizeram seu Ernesto abreviar seus dias. De maneira consciente ou não foi à maneira que buscou a paz.

A distância entre eles era curta. A casa não era muito grande. Poucos passos ou metros os separavam. 
Mesmo quando se cruzavam pela casa parecia haver uma enorme distância.

Uma distância criada sem que se dessem conta. Tão perto e tão distantes.

Hoje não há mais brigas e nem desentendimentos entre seu Ernesto e Manoel. Há somente uma imagem criada na mente do barbeiro que os conhecera. Se tivessem cedido. Se tivessem falado e ouvido sem julgamentos. Se tivessem trocado toda intriga por boas conversas, risadas e abraços. 

Quem sabe a distância entre Ernesto e Manoel só lhes daria espaço para se olharem e perceberem no que mais se pareciam – fazer as coisas do seu próprio jeito.

A mesma distância que os separava em casa os separou da vida.


Mas a distância se tornou grande demais!