quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Notícia ao Paulo


Dona Eugênia estava muito doente. Paulo, um de seus quatro filhos que trabalhava numa empresa de manutenção de elevadores andava muito deprimido. Aos 50 anos o alemão forte e durão não escondia o carinho e a preocupação com a mãe internada havia três semanas.

No final da tarde de uma terça-feira, Antônio, irmão do Paulo ligou do hospital para dar notícias sobre dona Eugênia.

Seu Victor, um dos donos da empresa atendeu ao telefone e ouviu a notícia. Com receio de contar a Paulo aproveitou que seu filho Otávio acabara de chegar e disse:

- Otávio, me faça um favor. Tenho um compromisso, um cliente para visitar, então não se esqueça de dar um importante recado ao Paulo assim que ele chegar.

Otávio, curioso, perguntou qual o recado e seu Victor respondeu enquanto saia:

- Ah, claro. Avise ao Paulo que a mãe dele morreu. Acabaram de ligar do hospital.

O pai de Otávio saiu rápido como se fosse o super homem. Otávio sentiu que havia uma bomba em sua mão, ou em sua boca. Como dar a notícia a Paulo. Primeiro nunca havia dado esse tipo de recado a ninguém. E ainda por cima, estava acompanhando a tristeza e o otimismo de Paulo quanto à recuperação de sua mãe.

Otávio tentou ensaiar como daria a notícia. Pensou em várias maneiras. Ou daria a notícia de forma direta, sem rodeios, ou se o prepararia. De repente, Paulo entra no escritório cantarolando. Otávio se aproxima e diz:

- Oi Paulo. Eu preciso te dar uma notícia – Paulo dispara seu comentário:

- Já sei. O elevador do edifício João Moraes pifou outra vez. Já imaginava.

- Não Paulo. Na verdade é outra coisa.

- Ah, teu pai não se lembrou de deixar o vale. Poxa eu ia precisar. Fiquei de levar umas coisinhas pra minha mãe – Otávio se enche de coragem e diz:

- Não Paulo. Não é isso. É que... É que tua mãe morreu. Ligaram do hospital agora pouco.

Paulo caiu em profundo choro. Otávio não resistiu e chorou muito ao lado de Paulo.

Otávio oferece ajuda, carona, qualquer coisa que possa fazer. Paulo sai chorando.

Quando chega aos prantos ao hospital encontra suas duas irmãs e seu irmão. Paulo chora copiosamente. Os três irmãos não entendem o desespero de Paulo e tentam o acalmar.

Seu irmão, Antônio, coloca a mão no ombro de Paulo e diz:

- Calma meu irmão. Vai ficar tudo bem. Ela está descansando agora.

Suas irmãs dizem:

- Seja forte Paulo. Quer ir vê-la? Mas não faça barulho.

Paulo entra no quarto sem entender o porquê não fazer barulho diante o corpo da mãe.

Ele chora alto e suspira. Seus três irmãos entram no quarto e dizem para Paulo se acalmar. Lembram a Paulo que a mãe precisa descansar...

- Me deixem chorar, mostrar a dor que estou sentindo – argumenta Paulo e completa:

- Minha vida toda tentei ser forte, durão, mas agora, agora não posso aguentar.

Ele sai do quarto e dona Eugênia pergunta com sua voz enfraquecida pela doença o que está acontecendo. Os filhos explicam que Paulo está desesperado. Dizem à mãe que não era para ele estar assim, pois fazia poucas horas que tinham ligado para empresa onde Paulo trabalhava e deram a notícia que a mãe havia passado para um quarto melhor. Que estava num lugar melhor e finalmente havia descansado. Dona Eugênia pede para Paulo voltar ao quarto.

Antônio se aproxima de Paulo e diz que ele deve entrar outra vez. Paulo entra com os olhos cheios de lágrimas, mas dessa vez mais forte.

Ele fecha os olhos, segura na mão direita de sua mãe e diz:

- Mãe, há tantas coisas que eu queria ter dito, mas eu nunca tive coragem. Eu a amo muito.

Quando Paulo abre os olhos dona Eugênia está olhando para ele. Paulo passa a mão sobre seus olhos para fechá-los. Ela os abre outra vez e diz:

- O que está havendo meu filho?

Paulo quase tem um infarto. A mãe morta havia ressuscitado ou ele estava tendo uma alucinação?

Ela diz com sua voz fraca:

- Filho, não fique assim. Você tem que se preparar. Estou morrendo, tenho pouco tempo, seja forte.

Paulo ainda confuso conversa com a mãe por uns 30 minutos. Ele sai do quarto e percebe que houve um sério erro na notícia sobre a morte de sua mãe, mas não conta nada a seus irmãos que ficam sem entender o desespero de Paulo.

No dia seguinte, quarta-feira, logo cedo, Otávio chega à empresa e pergunta a seu Valério, sócio do seu pai:

- Bom dia, seu Valério. E então, como está o Paulo? Onde será o enterro?

Seu Valério levanta-se assustado e pergunta:

- O que tem o Paulo e que enterro? Você está louco?

Seu Valério explica que Paulo saiu cedo para consertar o elevador do edifício João Moraes. Não havia ocorrido nada com a mãe de Paulo.

Ao longo do dia se esclarece o mal entendido. Ao telefone os irmãos de Paulo disseram ao seu Victor para avisar ao Paulo que sua mãe estava muito desconfortável num quarto ruim, e agora estava num lugar melhor, num quarto melhor e finalmente havia descansado.

Seu Victor entendera tudo errado. E agora, como encarar o Paulo no final do dia?

Otávio saiu mais cedo para não se encontrarem. Não sabia o que dizer e como se desculpar.

Logo que ele sai toca o telefone. Seu Valério atende. É Antônio, irmão de Paulo. Ele diz que sua mãe acabara de falecer. Seu Valério diz que sente muito e oferece toda ajuda possível.

Quando Paulo chega à empresa seu Valério diz:

- Paulo, é sobre sua mãe. Seu irmão ligou e disse... – Paulo interrompe seu Valério com seu jeito bronco e diz:

- Já sei, pode ficar tranquilo. Já entendi tudo. Vou lá para o hospital.

Seu Valério fica surpreso com a força e resiliência de Paulo diante do ocorrido.

Paulo chega ao hospital cantarolando e com um sorriso tranquilo. Ele vê os irmãos chorando muito e diz:

- Calma aí pessoal. Precisamos ser fortes. Quero ver minha mãe.

Os irmãos não entendem nada. No dia anterior com a mãe viva ele estava desesperado, agora com ela morta estava cantarolando e os acalmando. Paulo entra no quarto e começa a conversar com a mãe. 

Fala por uns 20 minutos. Então Antônio entra no quarto, coloca a mão no ombro de Paulo e diz:

- Paulo, eu estou feliz e orgulhoso por você estar conseguindo dizer a ela coisas que gostaria de ter dito enquanto ela estava viva.

 Paulo fica intrigado e diz:


Como assim quando estava viva?

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

O homem do 4


Arnaldo vivia em Curitiba. Aos 44 anos e pai de 4 filhos estava com o casamento por um fio.

Na realidade não era apenas o casamento de Arnaldo que estava a perigo, seu “pescoço” também. Ele havia acumulado muitas dívidas e estava desempregado já por 4 meses.

Certa noite ao chegar em casa se deparou com 4 homens o esperando. Era uma cobrança de dívida de um agiota. Depois de ouvir algumas duras palavras entrou em casa.

Assim que se senta em frente à TV sua esposa, Soraia, diz:

Arnaldo, não da mais. Simplesmente não aguento mais. Eu até te amo, você é um bom pai, mas não tem mais jeito. Quero o divórcio e não adianta você insistir. Namoramos por 4 anos e tinha certeza que você era a pessoa certa. Mas você não para em emprego nenhum. E pior, suas apostas, principalmente nas corridas de cavalos. Chega. Acabou!

Arnaldo, arrasado, entra em seu pequeno escritório. Senta-se diante a velha mesa onde por anos havia elaborado muitos planos, suas apostas em corridas; quase nada dera certo.

Com muitas dívidas, desempregado, o abandono da esposa; tudo parecia desmoronar a sua volta. O apostador teve um horrível pensamento.

Abriu a gaveta da escrivaninha e viu seu revólver, um 38. Arnaldo pegou aquela arma e passou a contemplá-la. Parecia que ela lhe dizia algo. Ele abre a arma e vê que seu revólver tem 4 balas. 

Coloca o 38 sobre a pequena mesa e pensa em fazer uma loucura. Acredita que deveria escrever algo antes de executar o plano. Ele abre novamente a gaveta e vê alguns papéis.

Encontra sua certidão de nascimento e se emociona. Lembra-se dos 40 mil reais que deve. Dos 4 meses que está desempregado. Então volta sua atenção para seus documentos. Sua data de nascimento: 4 de 4 de 44. Em seguida observa uma antiga foto sua ainda em preto e branco.

No verso da fotografia, dizia: Arnaldo Pereira aos 4 anos.

Ele pega a arma e de repente, como que uma luz se acende em sua mente. Para um apostador tudo parece querer dizer alguma coisa; até o nada parece levar a um palpite.

Arnaldo deixou os pensamentos viajarem, e foram longe: Estava com 44 anos. Uma dívida de 40 mil. 
Os 4 homens que o ameaçaram. O namoro com a esposa que havia durado 4 anos. Os 4 filhos. Sua data de nascimento – 4/4/44. A arma com 4 munições. Óbvio, só poderia ser um sinal “dos céus”. O número 4 seria seu número da sorte, sua salvação.

Lembrou que logo haveria uma corrida no Hipódromo onde tantas vezes havia apostado e na maioria se ferrado. Mas dessa vez o Jockey Club traria soluções.

Tudo parecia tão óbvio. Todas aquelas aparições com o número 4. É isso, pensou o apostador.

Sem contar que fazia 4 meses que havia vendido o carro. Resolveu pegar um táxi.

Enquanto aguardava imaginava o quanto custaria à corrida. De repente, vem um táxi e para mais uma surpresa do apostador a placa do táxi era: VAI 4444.

Na mente de Arnaldo não havia o que duvidar. Eis a resposta, ou a solução para suas dívidas.
Ao entrar no táxi se apresenta e pergunta o nome do motorista. O taxista, com educação, diz:

- Prazer, seu Arnaldo. Meu nome é Torquato.

Torquato. Na mente do apostador e a essa altura dos acontecimentos o nome lembra: “Tor quatro”.

Arnaldo contou sua comovente e intrigante história ao taxista. Inclusive a placa do táxi e o nome do motorista. Disse a Torquato que só não apostaria mais porque só tinha os 40 reais para pagar a corrida, claro, se não passasse de 40 reais.

Torquato, sensibilizado com a história de Arnaldo, disse:

- Faça o seguinte meu amigo. Use os 40 reais para a sua aposta. Com o dinheiro do prêmio você me paga.

- Poxa, nem sei como lhe agradecer, seu Torquato. Faço questão de pagar o dobro do valor da corrida com o valor do prêmio que sei que vou ganhar – disse com fé, Arnaldo.

A corrida havia custado 40 reais. Para Arnaldo, mais um sinal. Ele era pura empolgação.

Torquato perguntou a Arnaldo em qual cavalo apostaria. Arnaldo disse que no número 4, lógico.

O taxista ainda pegou 400 reais e emprestou a Arnaldo para aumentar a aposta e o lucro.

Arnaldo sai em disparada. Quase perde o tempo da aposta. O homem do guichê pergunta o número do cavalo. Arnaldo sorri de uma maneira que nem o funcionário acostumado com as apostas consegue entender.

- No número 4, por favor, 440 reais no vencedor. O número 4.

Ele aposta e vai em direção ao local para acompanhar a vitória e o fim dos seus problemas financeiros.

O taxista aguarda sentado num meio fio.

A corrida começa. Arnaldo se emociona. Olha para o céu ao ver o cavalo número 4 em primeiro lugar e agradece sabe lá a quem.

A corrida segue. O número 4 é ultrapassado 3 vezes. Arnaldo leva a mão ao peito.

Fim da corrida. O cavalo número 4 chega em 4º lugar.

O cavalo vencedor é o de número 5.

Arnaldo sai desconsolado. Quando chega a rua vê o táxi estacionado. Só então lembra que agora tem mais uma dívida, aliás, duas, a da corrida e o empréstimo de 400 reais.

Quando Torquato olha o triste semblante de Arnaldo, entende tudo. Arnaldo se aproxima e quando começa a abrir a boca ouve o taxista dizer calmamente:

- Não foi dessa vez, não é mesmo? Não esquenta com a corrida nem com os 400 reais. Quer uma carona de volta?

- Não, muito obrigado. Vou tomar um ar e caminhar um pouco. Desculpe. Não se preocupe.

O taxista vai embora. Arnaldo põe a mão num dos bolsos da calça e encontra 4 reais.

Ele olha para sua direita e vê um carrinho de cachorro quente onde muitas vezes comeu um lanche por 4 reais. Arnaldo se aproxima, cumprimenta o dono do carrinho de cachorro quente e pergunta:

- Boa tarde. Quanto custa o cachorro quente?

- Está 5 reais – responde o homem.

Arnaldo com seus 4 reais senta no mesmo lugar onde estava o taxista. Sente-se perdido.


Ele ouve uma música em alto volume. É um desses carros que anunciam promoções de sorteio de carros e casas.  Arnaldo olha a placa do carro e lê: ARN 5555. Em seguida olha para o chão e encontra uma moeda de 1 real. Levanta a cabeça e pensa: “ARN são as primeiras letras do meu nome. 

A placa: 5555. Com mais 1 real que achei agora tenho 5 cinco reais. Será finalmente um sinal?”