sexta-feira, 31 de março de 2017

Breves equívocos


 Por volta das 17:00h seu Valdemar está assistindo televisão quando toca o telefone:

- Alô. Boa tarde!

- Boa tarde, vô. Tudo bem?

Seu Valdemar tem 23 netos. Conseguir lembrar o nome de cada um deles é desafiador, quanto mais reconhecer pela voz, afinal de contas, o vovô tem 80 anos.

Seu Valdemar pensou em, Eduardo, Vinícius, Ricardo, Thiago, Marcos, Mateus, Natã, Victor, 

Guilherme, Lucas; quem seria? Decidiu; só pode ser o Lucas. Mas por via das dúvidas, chamaria o 
Lucas de, meu neto. Seu Valdemar, depois de alguns segundos de reflexão, segue a conversa:

- E você, meu neto, como vão as coisas?

- Estou bem, meu avô. Com saudades do senhor. Desculpe não ter passado aí nas últimas semanas, além da correria ando com muita tosse.

Seu Valdemar ficara preocupado com o neto, Lucas, porque ele falava quatro ou cinco palavras e já tossia. O pobre neto devia estar muito gripado, pensou o avô. Seu Valdemar segue o papo com o neto:

- E seus pais, estão bem?

- Ah, estão bem sim. Com saúde e trabalhando bastante. Pediram que eu mandasse um abraço ao senhor.

- Obrigado, meu neto. Mande outro a eles.

- E o vô, como está de saúde?

- Estou bem. Claro, com 80 anos não tenho do que reclamar.

- Está sozinho em casa, vô?

- Sim. Tua avó saiu faz tempo e ainda não voltou.

- Agora o rapaz do outro lado da linha sentira um calafrio. Um aperto no peito. Sua avó havia morrido há dois anos e não sabia nada sobre o avô ter se casado; ainda mais dizer: sua avó saiu. 

Imaginou que pudesse ser Alzheimer. De qualquer maneira não iria se aprofundar no assunto. Pobre do avô, aguardando o retorno da esposa que havia falecido havia dois anos.

O avô retomou a amistosa conversa:

- Meu neto, estou preocupado com essa tua tosse. Já tomou algum xarope?

- Eu até tomaria se fosse só gripe, mas essa tosse é do maldito cigarro. Está acabando comigo, são 8 anos fumando.

Dessa vez foi seu Valdemar que ficou pasmo. Ele tem 11 filhos e 23 netos, nenhum de seus filhos e netos jamais fumara. Chegou a cogitar: Será que estou tão esquecido? Meu Deus, e se for àquela doença que a pessoa esquece tudo, como é mesmo o nome? Resolveu aconselhar o neto, e dessa vez o tratando por nome para mostrar preocupação e firmeza:

- Lucas, por favor, te cuida. Pare de fumar, por mais que seja difícil!

O rapaz, perplexo, respondeu:

- Lucas? O senhor me chamou de Lucas? Meu nome é Gustavo. Sou filho do Reginaldo e da Clarice. 

-Vô Antônio, o senhor está bem?

- Antônio? Você me chamou de Antônio? Meu nome é Valdemar e não tenho filho ou filha chamado 

Reginaldo ou Clarice!

- Perdão. O senhor me desculpe. Liguei o número errado!


segunda-feira, 20 de março de 2017

Através dos seus olhos


 Jair era um jovem trabalhador e ainda assim sonhador. A necessidade do trabalho para ajudar os pais, o desejo de comprar uma casa, casar e ter filhos. E ainda tinha um sonho; conhecer o Pantanal.

Com cerca de 25 anos de idade e já namorando, Jair foi a um bar perto de casa. Entre bate papos, risadas e discussões, daquelas comuns em bares, uma chamou atenção dos clientes. Sogro e genro brigavam por assuntos comerciais. A briga se tornou mais acalorada. O sogro pegou uma espingarda com a intenção de atirar no genro. Os amigos e conhecidos tentaram apartar a briga e acalmar os ânimos. Jair mal os conhecia. Na frustrada tentativa de parar a briga o velho aponta a espingarda para o genro e novamente os homens tentam tirar a arma de suas mãos, mas ele dispara. Bêbado, não acerta em ninguém diretamente, mas resquícios do chumbo atingem os olhos de Jair.

Depois de um atendimento no hospital a família recebe a notícia; Jair ficara cego.

O jovem trabalhador, com desejo de casar, ter filhos e conhecer o Pantanal, sente-se perdido.

Sonhos e desejos podem superar grandes dificuldades.

Ele casa com Eliza e tem uma dupla surpresa ao ser pai, nascem os gêmeos que recebem os nomes de Ricardo e Rodrigo.

O tempo passa rápido diante os olhos fechados de Jair. Pai e marido presente tem o carinho da esposa, filhos e amigos. A falta de visão não trouxe uma vida inativa. O bom humor e trabalho o mantiveram vivo e “enxergando” outras possibilidades; uma das mais tocantes, conhecer o Pantanal.

Mais de 20 anos haviam se passado desde aquela tragédia. Jair com suas economias enfim poderia conhecer o Pantanal. A família e amigos respeitavam seu sonho e desejo, muito embora não o compreendesse. Os filhos agora com 20 anos de idade eram bons companheiros, mas apenas Rodrigo acompanhou o pai até o Pantanal.

Desde que chegaram à empolgação de Jair era mais do que evidente. Rodrigo sentia o fato de o pai estar com quase 50 anos de idade no lugar onde sempre sonhou conhecer e não poderia ver nada. Mas estavam ali e isso é o que importava.

Os passeios por diversos lugares, inclusive nos de barco se tornaram especiais.
Rodrigo fora surpreendido pelo pai que disse:

- Rodrigo. Quero que você descreva tudo. O que está desse e daquele lado. Como é a cor dessa água. Se as árvores são grandes. Da para ver peixes e jacarés. E os pássaros. Me conte se há muita variedade. Diga a cor deles e também como é o barco. Como está o céu. Quero que me conte tudo, filho.

Rodrigo foi tomado por um sentimento jamais imaginado. O jovem de 20 anos como que “doaria” em vida os olhos ao pai. Mais do que isso; teria que descrever o sonho de um homem que não podia ver o que estava tão perto.

Quando retornaram foram indagados pelos demais familiares e amigos que queriam saber como foi à viagem. Esperavam ver a alegria de Jair enquanto o filho faria à narrativa.

Rodrigo costumava nessas ocasiões colocar a mão no ombro do pai e dizer aos curiosos:

- Acredito que meu pai viu mais que eu.

Jair contava detalhes que somente um grande observador e apreciador do Pantanal e da natureza teria notado para narrar de maneira tão entusiástica.

Nunca ninguém pensou em perguntar como aquele homem cego havia registrado tantas maravilhas e tantos detalhes.

Quando Rodrigo perguntava ao pai se ele ainda lembrava do Pantanal, Jair dizia:

- Tudo, meu filho. Cada detalhe. Tenho em minha mente as imagens através dos seus olhos!



segunda-feira, 13 de março de 2017

Ausente ao funeral


Para quem fala do assunto com tranquilidade não sentirá receio na sequência dessa crônica.

Já os mais receosos talvez digam: “Tá é louco, que assunto hein”.

Escrevi uma crônica há mais de um ano com o tema – Deitado, nem morto; baseada num costume em certa cidade americana onde a Lei municipal permite a família, respeitando o desejo do finado de ser velado fora do caixão. Vale numa rede ou cadeira de balanço, numa moto Harley- Davidson, na cadeira a beira da mesa com uma lata de cerveja à frente, enfim, o que a pessoa mais gostava de fazer em vida. Ah, vale ressaltar que a Lei proíbe em posições imorais.

Como o assunto é morte e a necessidade de doação de órgãos é grande chegamos ao tema – Ausente ao funeral.

Particularmente nunca gostei da ideia de ser colocado num caixão, nem vivo e nem morto. Também não digo que teria o desejo de ser velado fazendo o que gosto; com tesoura e navalha nas mãos, com o computador sobre as minhas pernas como costumo escrever ou próximo a um microfone realizando uma entrevista ou apresentando um programa de rádio.

Por anos deixei minha família avisada de que sou doador de órgãos, mas tive outra ideia.

Que tal ir para a faculdade ou a universidade assim que encerrar a carreira de barbeiro e jornalista? 

Uma vaga garantida na UFSC, e saber que poderei ser útil à medicina, a ciência.

E melhor de tudo; escapar do caixão, flores e a sogra rezando ao meu lado. E tem mais, sem trabalho para a família arrumar lugar para deixar essa beleza de corpo ou mesmo os gastos com a bendita cremação.

Assim que estiver com tudo decidido vou avisar a família e aos amigos que não se assustem se chegarem ao meu funeral e não virem a tal urna, não a eletrônica ou a eleitoral, o famoso paletó de madeira, flores e toda estrutura em volta.

Estou pensando seriamente em entrar para a universidade. Por que parar de trabalhar depois de morrer? Trabalho sem esforço, sem levantar cedo em dias frios, livre da labuta nos dias quentes de verão. E continuar a fazer algo de útil, ainda que não veja e nem sinta. Cardiologistas, neurologistas, urologistas, proctologistas; nem esses dois últimos causarão calafrios.

Quando alguém lembrar e perguntar por mim, dirão: Está na universidade. Grande colaborador de professores e alunos de medicina. Quem sabe esse corpo venha a ajudar na descoberta de mais curas, melhores tratamentos.

O tema pode parecer um tanto indigesto. Pode parecer ironia com coisas sérias, mas jornalismo é assim; fazer pensar, levantar temas e assuntos.

Fui bem atendido por telefone e informado que a pessoa interessada pode ir até a universidade e preencher um documento, e claro, avisar a família, ela terá plenos poderes quando nós não mais tivermos.

Pode-se velar a pessoa e depois enviar o corpo. Ou pode-se enviar o corpo pra lá assim que se confirmar o óbito. Corpo inteiro, com todos os órgãos.

Nesse caso vejo vantagens. Sem caixão e sem despesas. Sem um velório de horas e horas. Talvez e dependendo das crenças um discurso fúnebre. Pediria a um amigo que dissesse algo sobre a minha pessoa, sobre o que creio e minhas convicções espirituais.

Pessoas rindo e falando das minhas gafes, que não são poucas. Quem sabe alguém chorando nem que seja para fazer um grau. Boas músicas. Não estarei ouvindo, mas deverá ser legal.

Aqui entre nós, se discutem tantas bobagens. A vida alheia, por exemplo. Temas exaustivos não faltam na mídia. Será que isso não é importante? Cabe a cada um responder e decidir, mas é fato que queremos e precisamos do avanço da ciência e medicina.

Então, se eu estiver ausente no dia do meu funeral (do qual não tenho pressa), não pense que estou atrasado, que estou no trânsito, ou que me esqueci; talvez tenha mudado de hábito e profissão.

Ainda não está definido, mas possivelmente partirei da barbearia e do jornalismo para a medicina, pelo menos como colaborador.

E admito, gostaria muito de escapar no meu funeral!



sexta-feira, 10 de março de 2017

Quadro - Coisas que não se diz: Nunca houve farra do boi. Haveria se o boi se divertisse. O animal sobre no mínimo estresse e geralmente violência. Quem deixaria amigos "brincarem" com seu cachorrinho em casa (como se fosse um boi na "farra"?) E depois, rejeitam um bom churrasco na sexta-feira santa como se fosse pecado. "Cale essa boca, isso são: Coisas que não se diz!

domingo, 5 de março de 2017

Encontro


Era uma bela manhã de segunda-feira, no calçadão da Felipe Schmidt em Florianópolis.

Uma coincidência incrível reuniu grandes amigos. Cada um deles com um papel especial na vida.

Caminha com serenidade, dona Educação, quando encontra um amigo:

- Bom Dia, que prazer em vê-lo! Como tem passado?

- Dona Educação. A senhora não muda mesmo. Suas expressões e atitudes são tão delicadas.

- Bondade sua, senhor Bom Dia. A simples menção do seu nome me faz feliz.

 - Dona Educação, olha só quem se aproxima. Dona Gentileza.

- Que prazer encontrá-los meus queridos amigos. Dona Educação, seu Bom Dia.

- Ah, dona Gentileza, sua presença torna mais agradáveis nossos dias.

- Gentileza, ouvi uma excelente matéria a seu respeito - Diz dona Educação:

- Sua atitude no ônibus onde ninguém deu lugar a um deficiente físico. Não é de surpreender vindo de ti, minha amiga.

Dona Gentileza, meio sem graça, responde:

- Por favor, não fiz nada além do que deveria.

- Esse não morre mais – diz seu Bom Dia – Vejam quem se aproxima, seu Por Favor.

- Que maravilha encontrar três dos meus grandes e verdadeiros amigos!

Seu Bom Dia, dona Educação e dona Gentileza sentem-se felizes com as palavras sinceras do amigo. 

Ele ainda diz:

- Por favor, deixem que eu lhes pague um café.

Dona Gentileza diz com um lindo sorriso:

- Ah, senhor Por Favor, até para uma gentileza o senhor diz, por favor:

- Dona Gentileza, assim me deixa sem graça. Ainda mais diante tão preciosos amigos.

Um clima romântico paira no ar com o cavalheirismo de seu Por Favor, diante a delicadeza de dona Gentileza.

Os quatro amigos tomam um café naquela bela manhã de inverno acompanhados de uma ótima conversa. De repente, são surpreendidos pelo senhor, Com Licença.

- Senhor Com Licença – diz dona Educação – Não me chame de senhor, apenas, licença para a honra de me sentar ao seu lado e dos demais amigos.

Dona Educação manifesta sua falta de esperança de melhores atitudes das pessoas quando ouve seu Com Licença:

- Amigos, olhem, é dona Esperança. Ela está distante, não vai nos ver.

Seu Bom Dia levanta-se e educadamente aumenta o volume da voz:

- Bom dia!

Dona Esperança, já sem esperança de ouvir um bom dia, olha para o lado e se emociona ao ver os cinco amigos.

Todos se levantam enquanto, seu Por Favor, puxa a cadeira para dona Esperança.

O tempo passa e eles não se dão conta, até que são surpreendidos mais uma vez, e agora por três amigos que caminhavam juntos. Os amigos se levantam e dizem com alegria:

- Boa Tarde, Boa Noite, Perdão. Se juntem a nós nesse belo dia!

Dona Esperança fala sobre as atitudes e comportamentos que se tornaram comuns, mas deixam as pessoas distantes e indiferentes com seu próximo. Seu, Por Favor, manifesta não crer em melhoras. 

Seu Perdão e dona Esperança se levantam. Seu Perdão toma a palavra:

- Perdão, meus amigos, mas creio que não devemos desistir – Dona Esperança completa:

- Imaginem se perdermos a esperança? Vamos continuar fazendo a nossa parte.

Nesse instante são interrompidos com muita educação por mais um amigo:

- Obrigado por existirem e não desistirem. Cada um de vocês é fundamental a toda sociedade!

- Obrigado – dizem os amigos – que alegria rever o amigo. E obrigado pelas palavras.

Nesse exato momento ouvem uma voz entusiástica:

- Parabéns, meus amigos. Fico feliz em saber que estão unidos e que continuam valorizando um ao outro.

Seu Obrigado levanta e agradece em nome de todos ao amigo, Elogio.

E já ao findar aquele dia as pessoas que passavam por ali ouviam em várias vozes:

Bom dia. Com licença. Boa tarde. Que gentileza. Boa noite. Perdão. Por favor. Muita educação. 

Obrigado. Jamais percam a esperança. Que bom ouvir um elogio.


Eles continuam por aí. Às vezes se encontram, mas mesmo que separados fazem toda a diferença no dia a dia!