Pior que é
Pior que é. Quantas vezes o amigo leitor ou leitora já ouviu
sa expressão?
sa expressão?
Normalmente essa curta e estranha frase vem seguida de
algo difícil ou ruim ao qual o interlocutor concorda querendo
não concordar.
algo difícil ou ruim ao qual o interlocutor concorda querendo
não concordar.
Coisas do tipo: Os times aqui da capital têm mais é que ficar
na série B mesmo. Pior que é.
na série B mesmo. Pior que é.
Ninguém pode confiar em mais ninguém. Pior que é.
As máquinas de cartões de débito e crédito são tão úteis que
até ladrões já estão aceitando. Pior que é.
até ladrões já estão aceitando. Pior que é.
Mas a frase, e digo isso como testemunha ocular, evita até brigas
e elimina rapidamente discussões.
e elimina rapidamente discussões.
Meu saudoso amigo, Rona (esse era seu apelido) a usava com
muita frequência. Sempre que havia pelo menos duas pessoas
perto dele discutindo qualquer coisa; política, futebol ou religião,
quando o João dava sua opinião, o Rona dizia: “Pior que é”.
muita frequência. Sempre que havia pelo menos duas pessoas
perto dele discutindo qualquer coisa; política, futebol ou religião,
quando o João dava sua opinião, o Rona dizia: “Pior que é”.
O José defendia outro ponto de vista e olhavam para o Rona que
dizia: “Pior que é”.
Pior é que o Rona não brigava com ninguém, ou quero dizer, melhor.
Alguém dirá: Então esse tal de Rona não tinha opinião própria, concordava
com todo mundo. Pior que é. Ou melhor, não sei.
O ponto é que ele sempre acreditava que os
com todo mundo. Pior que é. Ou melhor, não sei.
O ponto é que ele sempre acreditava que os
dois ou mais pontos de vista diferentes tinham lá a sua parcela de razão e
concordava com todos ou não desprezava nenhum.
concordava com todos ou não desprezava nenhum.
Ele tinha também a tendência ou defeito de levar tudo ao pé da letra.
Não devia conhecer metáforas. Quando meu sócio na vidraçaria
reclamava que ele perdia e desperdiçava vários pregos, eram uns 5 ou 6,
meu sócio, Lindomar, dizia ao Rona:
Não devia conhecer metáforas. Quando meu sócio na vidraçaria
reclamava que ele perdia e desperdiçava vários pregos, eram uns 5 ou 6,
meu sócio, Lindomar, dizia ao Rona:
- O Rona. Que desperdício, mais de 100 pregos perdidos -
O Rona que não conhecia hipérboles, mas sabia contar juntava os pregos,
os mostrava ao meu sócio e dizia:
O Rona que não conhecia hipérboles, mas sabia contar juntava os pregos,
os mostrava ao meu sócio e dizia:
- 100 pregos? Isso aqui são 100 pregos? Tu não sabe contar.
E assim o Rona vivia de bem com todos, menos com sua sorte na vida.
O Rona teve um pai cruel, pior que é. Seu pai obrigava os filhos a trabalhar
logo que completavam uns 14 anos; se não colaborassem com as despesas
da casa, nem sequer podiam comer. E não podiam mesmo.
logo que completavam uns 14 anos; se não colaborassem com as despesas
da casa, nem sequer podiam comer. E não podiam mesmo.
Um dia o Rona fora demitido por conta de fiscalizações de trabalhos de
menores; e isso foi lá por volta de 1983. Seu pai não quis ouvir justificativas.
Deu uma surra no Rona queo deixou 3 dias de cama, nem a aula ele pôde ir.
menores; e isso foi lá por volta de 1983. Seu pai não quis ouvir justificativas.
Deu uma surra no Rona queo deixou 3 dias de cama, nem a aula ele pôde ir.
Então ele conseguiu um serviço qualquer, um que lhe desse dinheiro para
levar ao rigoroso pai.
levar ao rigoroso pai.
Um dia o ingênuo Rona precisou queimar alguns objetos na empresa que
ficava perto da sua casa. Em sua inocência ou numa bobeira ainda infantil
deixou que o produto inflamável se espalhasse por suas pernas e acendeu
o fogo. Tragédia.
ficava perto da sua casa. Em sua inocência ou numa bobeira ainda infantil
deixou que o produto inflamável se espalhasse por suas pernas e acendeu
o fogo. Tragédia.
O fogo não poupou nada da cintura para baixo do Rona. Graves queimaduras
o deixaram com terríveis dores, incontáveis cicatrizes e um jeito de viver bastante
peculiar; passou a ser revoltado com a vida em si; sabe-se lá se não discordar de
ninguém fosse uma necessária calmaria. Nunca mais “acender ou ajudar a
acender uma fogueira que dói e deixa cicatrizes permanentes”.
o deixaram com terríveis dores, incontáveis cicatrizes e um jeito de viver bastante
peculiar; passou a ser revoltado com a vida em si; sabe-se lá se não discordar de
ninguém fosse uma necessária calmaria. Nunca mais “acender ou ajudar a
acender uma fogueira que dói e deixa cicatrizes permanentes”.
A revolta com sua sorte na vida não o faziam culpar o pai. Pelo menos ele não
dizia nada, mas nós, os amigos, desenvolvemos um asco as ações de seu pai.
dizia nada, mas nós, os amigos, desenvolvemos um asco as ações de seu pai.
Rona nos fez rir muito e muitas vezes; nos deu importantes lições. E a partir de
hoje a cada crônica em que aparecer no tema - Pior que é - será dedicada a ele.
hoje a cada crônica em que aparecer no tema - Pior que é - será dedicada a ele.
Há poucos dias ouvi uma amiga muito inteligente dizer: “às vezes é melhor ser
feliz e ficar em paz do que ter razão”.
feliz e ficar em paz do que ter razão”.
O Rona, se ouvisse essa frase, com certeza diria: Pior que é.
E diria o mesmo a quem discordasse!
E diria o mesmo a quem discordasse!