Por volta dos anos 1950, nasceu no Brasil, em cidade e
Estado não revelados, um garoto de suposta descendência inglesa.
O garoto, órfão, fora adotado por uma família classe média
alta que promovia negócios questionáveis.
Ao adotarem o menino foram alertados de que ele tinha
hábitos questionáveis e não se adaptara a nenhum nome que lhe fora dado. A
família não viu problemas nisso e resolveu o chamar carinhosamente de,
Joãozinho.
Certo dia o menino surpreendeu a família ao brincar com o
arco e flecha de seu pai adotivo.
O tio, um senhor de cerca de 70 anos, disse:
- Teu apelido deveria ser Robin Hood.
O pai adotivo, disse:
- Não. Apelidado, não. O nome. Vamos registrá-lo com o nome
de, Robin Hood.
O garoto pela primeira vez gostou do nome que lhe fora dado
mesmo não sabendo sua origem.
Entre seus maus hábitos estavam o de levar para casa,
chocolates, carnes de primeira e uísque.
Claro que ele jamais pagara por isso. Uma mistura de
educação e sutiliza o fazia passar pelas portas dos mercados com total
confiança e serenidade.
Para classe média alta ou quase rica já naquela época,
ladrão era o filho dos menos favorecidos, também conhecidos como pobres. Mas
uma onda de eufemismo preferia tratar tais pessoas, inclusive seus empregados como
– os menos favorecidos e os filhos dos ricos que praticavam tais atos como –
desvio de conduta ou até mesmo como cleptomaníaco.
O garoto cresceu, estudou só o que queria, “passou” em
concursos e ficou ainda mais hábil no uso do arco e da flecha.
Tudo o que conhecia sobre o mítico personagem, Robin Hood,
eram as histórias contadas por seu pai, que jamais usara um livro. O pai tinha
uma versão muito particular do mítico personagem.
Robbin Hood percebeu com as histórias contadas por seu pai
que o arco e a flecha podiam abrir sua mente para alcançar coisas maiores.
Afinal de contas o uso do arco e da flecha já não era tão prático nos anos 70.
E assim prosseguiu. Robbin Hood evoluiu mais nas
estratégias, nas influências e nos cargos que ocupou do que numa linha lógica
do seu suposto ancestral, fosse ele um herói mítico ou parente distante.
Robin Hood falava aos amigos sobre suas ideias e os
beneficiários as ouviam com prazer.
Sua visão aguçada o fazia ver grandes oportunidades. A
infalível mira não permitia erros. As ferramentas, antes o arco e a flecha,
agora eram sua posição e influência. Isso rendia mais poderes, mais
possibilidades, mais vantagens, inclusive, de não ser preso.
Robin se tornava a cada dia melhor conselheiro. Entre suas
brilhantes ideias estavam, impostos e empresas. Empresas poderiam gerar lucros
e mais lucros. Os benefícios para uma classe especial era certeiro.
A lei Rouanet não
precisava favorecer exatamente qualquer cidadão ligado à cultura, antes, a
alguns específicos e escolhidos a dedo. Isso é vantagem.
Investir muito mais
dinheiro em gastos com presos e uma ninharia em colégios públicos.
A população carcerária oferece perigo, mas alunos que
desenvolvem conhecimentos e se tornam críticos inteligentes podem ser ainda
mais perigosos.
Por que aposentar alguém que trabalhou duro a vida toda e
com baixo salário ainda antes dos 65 anos?
Os velhos poderiam ter a alegria de continuar produzindo enquanto
aguentassem ficar de pé.
Trabalhar até perto de bater as botas poderia ser bom
para os pobres - Era uma de suas filosofias.
As oportunidades estavam em tudo que os olhos pudessem
enxergar, e a conta bancaria sentir. Havia mil possibilidades. Creches, asilos,
bancos, cargos políticos e públicos, empreiteiras, mídia, enfim, onde passasse
poder de influência ou dinheiro Robbin Hood estava lá.
Se houve de fato um Robin Hood no século Xlll na Inglaterra
ou em Portugal, mesmo que mítico, se agitaria no túmulo.
Em cerca de 5 décadas de atuação acumulou riquezas e rendeu fortunas a seus nem sempre fiéis
associados. Mas no mundo dos bandidos é assim, as vantagens estão acima da
amizade.
Em certa ocasião foi chamado para dar conselhos aos
comparsas. Vários corriam o risco de ser presos. Como se esquivar de maneira
fácil, de preferência sem prejudicar, não as amizades que não eram verdadeiras,
antes, proteger os negócios lá na frente?
Robbin Hood com sua visão aguçada deu a ideia de se unirem.
Por exemplo, propor uma espécie de “moeda de troca”, um acordo. Os ânimos se
afloraram e Hood explicou:
- Calma. Prestem atenção. Talvez vocês desembolsem dinheiro
com advogados, mas isso vocês têm.
Digo, proponham algo que fique bom para
todos. Vou explicar melhor. Deobaldo, quando fores preso, proponhas entregar o
Julibio em troca amenizar sua pena e proteger o dinheiro que ganhamos com tanto
trabalho.
Julibio se levantou
indignado. Robbin voltou à explicação.
- Calma, Julibio, quando forem te interrogar tu propões
entregar o Anselmo e assim sucessivamente. Assim, de maneira legal, todos saem perdendo
pouco.
Os amigos aplaudiram, o chamaram de gênio. Ter penas
abreviadas e não ter que devolver o dinheiro era extraordinário. Robbin tinha
lá certa medida de modéstia e disse que já havia lido sobre um projeto assim e
deu certo, por que não aqui?
Robbin esclareceu que isso se chamava - delação premiada.
Algo legal.
Robbin acreditava ser um herói, não que não fosse, mas se
tivesse existido e vivido por volta do século Xlll, saberia de quem seria um
herói, embora ainda ladrão.
Setecentos anos atrás, crianças pobres, idosos abandonados a
própria sorte, chefes de família que choravam ao chegar em casa e ver esposa e
filhos sem ter o que comer, mães entregues a tristeza por dar a luz um
sofredor; ficariam contentes ao saber que Robbin Hood estava por aquelas
bandas.
Já os ricos iriam querer o pescoço do homem que tirava de
suas excessivas fortunas para dar a um bando de pobres famintos, só porque eram
menos favorecidos.
Certo dia, lá pela casa dos seus 60 anos, Robbin pela
primeira vez parou para assistir a um filme de seu ancestral. Ele manteve os
olhos e ouvidos bem abertos todo o tempo.
No final do filme estava pasmo. Havia algo de errado. Uma
enorme dúvida pairava no ar.
Como podia ser tudo tão diferente. Tão ao contrario de suas
crenças e ações bem sucedidas de toda uma vida.
Robbin marcou uma entrevista com um de seus advogados. Tinha
que tomar uma decisão, precisava fazer algo a respeito. Conversou por horas com
seus advogados, passou a noite em claro. No dia seguinte, já tinha uma decisão.
Sua visão aguçada, sua pontaria certeira lhe indicavam o que fazer dessa vez.
Na presença de companheiros, associados e advogados,
declarou que iriam processar os roteiristas e diretores de todos os filmes do
seu ancestral produzidos até então.
E declarou que faria de tudo para que a nova geração
conhecesse a verdadeira história do Robbin Hood, pelo menos por aqui. E ainda
entraria o dinheiro se vencessem a ação judicial.
Alguns de seus associados cochicharam: “Será que ele não
sabia a real história do personagem que leva seu nome?” Alguém respondeu no
mesmo volume: “O Robbin sempre foi o mais inteligente da equipe, mas cá entre
nós, nunca foi nenhum intelectual e nunca deu bola para uma boa cultura”.
Ainda
outro sussurrou: “Melhor assim, precisamos dele. Nunca teríamos chegado ao
ponto em que chegamos se fosse ao contrário”.
Robin saiu animado daquela reunião e pensando em qual dos seus
luxuosos imóveis iria passar o final de semana. Queria brindar com ele mesmo
aquela brilhante ideia: Processar os roteiristas e diretores dos filmes do seu
grande ancestral. Mas uma ideia lhe veio à mente e Robin imediatamente ligou
para um dos associados:
- Deobaldo, lembre-se do seguinte. Abram o processo contra
os roteiristas. Mas se eles propuserem alguma moeda de troca, tipo uma delação
premiada ou coisa assim; vamos analisar.
E o país dos ricos continuava a prosperar com um Robin Hood
bem diferente. Quem tem muito terá mais. Quem tem pouco sempre terá algo a
compartilhar.
Talvez séculos à frente alguém pense que esse Robin Hood
fora apenas uma lenda. Mas suas ações, ideias e as consequências levariam o
mais simples dos pais, o mais rico dos homens e a mais pobre das mães a
consultar os livros originais antes de contar a história a seu filho.
Afinal de contas, haveria Robin Hood para todos os bolsos!