Alberto nunca foi bom com as palavras. Não era incomum olhar
para uma mulher com uma barriguinha um pouco evidente e perguntar:
- Está de quantos meses? É menino ou menina?
- Não estou grávida!
Os foras não paravam por aí:
- Oi Ana. Esse é o teu filho mais velho?
- É meu namorado!
Ao andar com um amigo
na rua viu uma senhora e disse:
- Olha lá, Rogério. A vovó vai atravessar a rua sozinha.
Coitada.
- É a minha esposa, Alberto.
Por essas e outras Alberto começou a ficar mais calado.
Certo dia um amigo de trabalho, o Claudio, disse que o Mário havia morrido.
Imediatamente, Alberto lembrou de seu ex vizinho, Mário. Homem trabalhador,
cara divertido.
Claudio ainda salientou que Mário andava muito doente havia
anos. Estava sofrendo o que chamou de inferno. Na verdade Mário foi libertado
de uma agonia, uma prisão, afinal de contas, viver com dores e dependendo da
ajuda dos outros, era um inferno mesmo. No fundo, sua esposa deveria ficar até
aliviada.
Alberto ouviu tudo aquilo e pensou em Lígia, esposa ou
agora, viúva de Mário. Queria poder consolar a pobre viúva. Mas como? O que
dizer? E se falasse besteira? E em dar fora Alberto era especialista.
Por duas vezes Alberto viu Lígia e atravessou a rua só para
não ter que falar do finado. Não estava pronto para o importante consolo.
Certa noite Alberto parou e pensou. Pensou que já era hora
de aprender a se expressar sem falar bobagem, usar bem as palavras. Resolveu
treinar sozinho, de frente para o espelho.
Imaginou Lígia. Lembrou de como Mário era e de quanto estava
sofrendo. Lembrou das palavras de
Claudio. Mário estava livre do inferno que vivia,
de todo o sofrimento, da agonia, de uma rotina terrível. Pronto. Já poderia
consolar a viúva e não falar besteira. Pelo menos uma vez na vida.
No dia seguinte encontrou Lígia e dessa vez não desviou. Aproximou-se,
respirou fundo, e olhando em seus olhos, disse:
- Bom dia, Lígia. Estava há dias para falar contigo. Na
verdade pensei muito bem no que deveria te dizer. Por favor, preste atenção a
cada palavra minha e veja a sua real situação.
O Mário não merecia o que vinha passando. Um cara do bem,
trabalhador, divertido. Ele estava sofrendo demais. Aquilo não era mais vida,
era tortura. Imagine a frustração dele. Sua agonia e rotina. Se é que existe
esse tal de inferno é o que o pobre do Mário vivia. Agora está livre e em paz.
Lígia ouviu perplexa as palavras de Alberto. Depois de
balançar a cabeça olhou bem para ele e disse:
- Cachorro, sem vergonha, nojento. Você é igual ao Mário ou
até pior. Aliás, vocês são todos iguais, não valem o que comem. Eu quero mais é
que você vá para o inferno e mais, quero que o Mário...
Melhor eu parar por
aqui. Seu idiota!
Alberto ficara perplexo com as palavras de Lígia. Como podia
ser tão dura diante palavras consoladoras. E pobre do Mário, não basta o que
sofrera. Que tipo de mulher falaria assim?
No dia seguinte assim que chega ao trabalho encontra o
amigo, Claudio. Ele o chama e diz:
- Claudio. Não vai acreditar no que aconteceu ontem.
Encontrei a mulher do Mário e falei com ela.
Não vai acreditar no que ela me
disse.
Claudio respirou fundo e falou:
- Alberto, não dá pra esperar que ela esteja feliz e calma.
Afinal de contas o que o Mário fez foi uma cachorrada sem tamanho. Uma mulher
como ela, trabalhadora, linda e educada. Descobriu que o
Mário a traia há mais
de 10 anos. Várias amantes e 2 filhos fora do casamento. Gastava dinheiro até
em noitadas. E pior, ele teve a cara de pau de dizer pra ela que ele vivia numa
horrível rotina, numa agonia, que sofria ao seu lado, que sua vida era um inferno
– Claudio continua seu desabafo:
Dá pra imaginar? A mulher descobriu que o marido é um baita
safado e ainda ouve tudo isso. Pobre da Lígia.
Sem entender mais nada, Alberto perguntou:
- Claudio, tu não me disse que o Mário havia morrido?
- Sim, morreu. Mas falei do Mário da dona Soninha. O pobre
estava muito mal. O Mário da Lígia é que é um safado e está bem vivo. Ainda bem
que você a consolou. Afinal de contas, o que disse a ela?
- Eu? Bem, eu disse o que se diz numa situação dessas. Enfim,
falei algumas coisas.
Alberto se afasta de Claudio pensando na pobre Lígia. Ele
esfrega a mão na testa e fala baixinho:
Droga. Consolei a viúva errada!
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