terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

A viúva


Alberto nunca foi bom com as palavras. Não era incomum olhar para uma mulher com uma barriguinha um pouco evidente e perguntar:

- Está de quantos meses? É menino ou menina?

- Não estou grávida!

Os foras não paravam por aí:

- Oi Ana. Esse é o teu filho mais velho?

- É meu namorado!

Ao andar com um amigo na rua viu uma senhora e disse:

- Olha lá, Rogério. A vovó vai atravessar a rua sozinha. Coitada.

- É a minha esposa, Alberto.

Por essas e outras Alberto começou a ficar mais calado. Certo dia um amigo de trabalho, o Claudio, disse que o Mário havia morrido. Imediatamente, Alberto lembrou de seu ex vizinho, Mário. Homem trabalhador, cara divertido.

Claudio ainda salientou que Mário andava muito doente havia anos. Estava sofrendo o que chamou de inferno. Na verdade Mário foi libertado de uma agonia, uma prisão, afinal de contas, viver com dores e dependendo da ajuda dos outros, era um inferno mesmo. No fundo, sua esposa deveria ficar até aliviada.

Alberto ouviu tudo aquilo e pensou em Lígia, esposa ou agora, viúva de Mário. Queria poder consolar a pobre viúva. Mas como? O que dizer? E se falasse besteira? E em dar fora Alberto era especialista.

Por duas vezes Alberto viu Lígia e atravessou a rua só para não ter que falar do finado. Não estava pronto para o importante consolo.

Certa noite Alberto parou e pensou. Pensou que já era hora de aprender a se expressar sem falar bobagem, usar bem as palavras. Resolveu treinar sozinho, de frente para o espelho.

Imaginou Lígia. Lembrou de como Mário era e de quanto estava sofrendo. Lembrou das palavras de 

Claudio. Mário estava livre do inferno que vivia, de todo o sofrimento, da agonia, de uma rotina terrível. Pronto. Já poderia consolar a viúva e não falar besteira. Pelo menos uma vez na vida.

No dia seguinte encontrou Lígia e dessa vez não desviou. Aproximou-se, respirou fundo, e olhando em seus olhos, disse:

- Bom dia, Lígia. Estava há dias para falar contigo. Na verdade pensei muito bem no que deveria te dizer. Por favor, preste atenção a cada palavra minha e veja a sua real situação.

O Mário não merecia o que vinha passando. Um cara do bem, trabalhador, divertido. Ele estava sofrendo demais. Aquilo não era mais vida, era tortura. Imagine a frustração dele. Sua agonia e rotina. Se é que existe esse tal de inferno é o que o pobre do Mário vivia. Agora está livre e em paz.

Lígia ouviu perplexa as palavras de Alberto. Depois de balançar a cabeça olhou bem para ele e disse:

- Cachorro, sem vergonha, nojento. Você é igual ao Mário ou até pior. Aliás, vocês são todos iguais, não valem o que comem. Eu quero mais é que você vá para o inferno e mais, quero que o Mário... 

Melhor eu parar por aqui. Seu idiota!

Alberto ficara perplexo com as palavras de Lígia. Como podia ser tão dura diante palavras consoladoras. E pobre do Mário, não basta o que sofrera. Que tipo de mulher falaria assim?

No dia seguinte assim que chega ao trabalho encontra o amigo, Claudio. Ele o chama e diz:

- Claudio. Não vai acreditar no que aconteceu ontem. Encontrei a mulher do Mário e falei com ela. 

Não vai acreditar no que ela me disse.

Claudio respirou fundo e falou:

- Alberto, não dá pra esperar que ela esteja feliz e calma. Afinal de contas o que o Mário fez foi uma cachorrada sem tamanho. Uma mulher como ela, trabalhadora, linda e educada. Descobriu que o 

Mário a traia há mais de 10 anos. Várias amantes e 2 filhos fora do casamento. Gastava dinheiro até em noitadas. E pior, ele teve a cara de pau de dizer pra ela que ele vivia numa horrível rotina, numa agonia, que sofria ao seu lado, que sua vida era um inferno – Claudio continua seu desabafo:

Dá pra imaginar? A mulher descobriu que o marido é um baita safado e ainda ouve tudo isso. Pobre da Lígia.

Sem entender mais nada, Alberto perguntou:

- Claudio, tu não me disse que o Mário havia morrido?

- Sim, morreu. Mas falei do Mário da dona Soninha. O pobre estava muito mal. O Mário da Lígia é que é um safado e está bem vivo. Ainda bem que você a consolou. Afinal de contas, o que disse a ela?

- Eu? Bem, eu disse o que se diz numa situação dessas. Enfim, falei algumas coisas.


Alberto se afasta de Claudio pensando na pobre Lígia. Ele esfrega a mão na testa e fala baixinho: 

Droga. Consolei a viúva errada!

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