segunda-feira, 13 de março de 2017

Ausente ao funeral


Para quem fala do assunto com tranquilidade não sentirá receio na sequência dessa crônica.

Já os mais receosos talvez digam: “Tá é louco, que assunto hein”.

Escrevi uma crônica há mais de um ano com o tema – Deitado, nem morto; baseada num costume em certa cidade americana onde a Lei municipal permite a família, respeitando o desejo do finado de ser velado fora do caixão. Vale numa rede ou cadeira de balanço, numa moto Harley- Davidson, na cadeira a beira da mesa com uma lata de cerveja à frente, enfim, o que a pessoa mais gostava de fazer em vida. Ah, vale ressaltar que a Lei proíbe em posições imorais.

Como o assunto é morte e a necessidade de doação de órgãos é grande chegamos ao tema – Ausente ao funeral.

Particularmente nunca gostei da ideia de ser colocado num caixão, nem vivo e nem morto. Também não digo que teria o desejo de ser velado fazendo o que gosto; com tesoura e navalha nas mãos, com o computador sobre as minhas pernas como costumo escrever ou próximo a um microfone realizando uma entrevista ou apresentando um programa de rádio.

Por anos deixei minha família avisada de que sou doador de órgãos, mas tive outra ideia.

Que tal ir para a faculdade ou a universidade assim que encerrar a carreira de barbeiro e jornalista? 

Uma vaga garantida na UFSC, e saber que poderei ser útil à medicina, a ciência.

E melhor de tudo; escapar do caixão, flores e a sogra rezando ao meu lado. E tem mais, sem trabalho para a família arrumar lugar para deixar essa beleza de corpo ou mesmo os gastos com a bendita cremação.

Assim que estiver com tudo decidido vou avisar a família e aos amigos que não se assustem se chegarem ao meu funeral e não virem a tal urna, não a eletrônica ou a eleitoral, o famoso paletó de madeira, flores e toda estrutura em volta.

Estou pensando seriamente em entrar para a universidade. Por que parar de trabalhar depois de morrer? Trabalho sem esforço, sem levantar cedo em dias frios, livre da labuta nos dias quentes de verão. E continuar a fazer algo de útil, ainda que não veja e nem sinta. Cardiologistas, neurologistas, urologistas, proctologistas; nem esses dois últimos causarão calafrios.

Quando alguém lembrar e perguntar por mim, dirão: Está na universidade. Grande colaborador de professores e alunos de medicina. Quem sabe esse corpo venha a ajudar na descoberta de mais curas, melhores tratamentos.

O tema pode parecer um tanto indigesto. Pode parecer ironia com coisas sérias, mas jornalismo é assim; fazer pensar, levantar temas e assuntos.

Fui bem atendido por telefone e informado que a pessoa interessada pode ir até a universidade e preencher um documento, e claro, avisar a família, ela terá plenos poderes quando nós não mais tivermos.

Pode-se velar a pessoa e depois enviar o corpo. Ou pode-se enviar o corpo pra lá assim que se confirmar o óbito. Corpo inteiro, com todos os órgãos.

Nesse caso vejo vantagens. Sem caixão e sem despesas. Sem um velório de horas e horas. Talvez e dependendo das crenças um discurso fúnebre. Pediria a um amigo que dissesse algo sobre a minha pessoa, sobre o que creio e minhas convicções espirituais.

Pessoas rindo e falando das minhas gafes, que não são poucas. Quem sabe alguém chorando nem que seja para fazer um grau. Boas músicas. Não estarei ouvindo, mas deverá ser legal.

Aqui entre nós, se discutem tantas bobagens. A vida alheia, por exemplo. Temas exaustivos não faltam na mídia. Será que isso não é importante? Cabe a cada um responder e decidir, mas é fato que queremos e precisamos do avanço da ciência e medicina.

Então, se eu estiver ausente no dia do meu funeral (do qual não tenho pressa), não pense que estou atrasado, que estou no trânsito, ou que me esqueci; talvez tenha mudado de hábito e profissão.

Ainda não está definido, mas possivelmente partirei da barbearia e do jornalismo para a medicina, pelo menos como colaborador.

E admito, gostaria muito de escapar no meu funeral!



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