Jair era um jovem
trabalhador e ainda assim sonhador. A necessidade do trabalho para ajudar os
pais, o desejo de comprar uma casa, casar e ter filhos. E ainda tinha um sonho;
conhecer o Pantanal.
Com cerca de 25 anos de idade e já namorando, Jair foi a um
bar perto de casa. Entre bate papos, risadas e discussões, daquelas comuns em
bares, uma chamou atenção dos clientes. Sogro e genro brigavam por assuntos
comerciais. A briga se tornou mais acalorada. O sogro pegou uma espingarda com
a intenção de atirar no genro. Os amigos e conhecidos tentaram apartar a briga
e acalmar os ânimos. Jair mal os conhecia.
Na frustrada tentativa de parar a
briga o velho aponta a espingarda para o genro e novamente os homens tentam
tirar a arma de suas mãos, mas ele dispara. Bêbado, não acerta em ninguém
diretamente, mas resquícios do chumbo atingem os olhos de Jair.
Depois de um atendimento no hospital a família recebe a
notícia; Jair ficara cego.
O jovem trabalhador, com desejo de casar, ter filhos e
conhecer o Pantanal, sente-se perdido.
Sonhos e desejos podem superar grandes dificuldades.
Ele casa com Eliza e tem uma dupla surpresa ao ser pai,
nascem os gêmeos que recebem os nomes de Ricardo e Rodrigo.
O tempo passa rápido diante os olhos fechados de Jair. Pai e
marido presente tem o carinho da esposa, filhos e amigos. A falta de visão não
trouxe uma vida inativa. O bom humor e trabalho o mantiveram vivo e
“enxergando” outras possibilidades; uma das mais tocantes, conhecer o Pantanal.
Mais de 20 anos haviam se passado desde aquela tragédia.
Jair com suas economias enfim poderia conhecer o Pantanal. A família e amigos
respeitavam seu sonho e desejo, muito embora não o compreendesse. Os filhos
agora com 20 anos de idade eram bons companheiros, mas apenas Rodrigo
acompanhou o pai até o Pantanal.
Desde que chegaram à empolgação de Jair era mais do que
evidente. Rodrigo sentia o fato de o pai estar com quase 50 anos de idade no
lugar onde sempre sonhou conhecer e não poderia ver nada. Mas estavam ali e
isso é o que importava.
Os passeios por diversos lugares, inclusive nos de barco se
tornaram especiais.
Rodrigo fora surpreendido pelo pai que disse:
- Rodrigo. Quero que você descreva tudo. O que está desse e
daquele lado. Como é a cor dessa água. Se as árvores são grandes. Da para ver
peixes e jacarés. E os pássaros. Me conte se há muita variedade. Diga a cor
deles e também como é o barco. Como está o céu. Quero que me conte tudo, filho.
Rodrigo foi tomado por um sentimento jamais imaginado. O
jovem de 20 anos como que “doaria” em vida os olhos ao pai. Mais do que isso;
teria que descrever o sonho de um homem que não podia ver o que estava tão
perto.
Quando retornaram foram indagados pelos demais familiares e
amigos que queriam saber como foi à viagem. Esperavam ver a alegria de Jair
enquanto o filho faria à narrativa.
Rodrigo costumava nessas ocasiões colocar a mão no ombro do
pai e dizer aos curiosos:
- Acredito que meu pai viu mais que eu.
Jair contava detalhes que somente um grande observador e
apreciador do Pantanal e da natureza teria notado para narrar de maneira tão
entusiástica.
Nunca ninguém pensou em perguntar como aquele homem cego
havia registrado tantas maravilhas e tantos detalhes.
Quando Rodrigo perguntava ao pai se ele ainda lembrava do
Pantanal, Jair dizia:
- Tudo, meu filho. Cada detalhe. Tenho em minha mente as
imagens através dos seus olhos!