quarta-feira, 25 de maio de 2016

Através dos seus olhos


 Jair era um jovem trabalhador e ainda assim sonhador. A necessidade do trabalho para ajudar os pais, o desejo de comprar uma casa, casar e ter filhos. E ainda tinha um sonho; conhecer o Pantanal.

Com cerca de 25 anos de idade e já namorando, Jair foi a um bar perto de casa. Entre bate papos, risadas e discussões, daquelas comuns em bares, uma chamou atenção dos clientes. Sogro e genro brigavam por assuntos comerciais. A briga se tornou mais acalorada. O sogro pegou uma espingarda com a intenção de atirar no genro. Os amigos e conhecidos tentaram apartar a briga e acalmar os ânimos. Jair mal os conhecia. 
Na frustrada tentativa de parar a briga o velho aponta a espingarda para o genro e novamente os homens tentam tirar a arma de suas mãos, mas ele dispara. Bêbado, não acerta em ninguém diretamente, mas resquícios do chumbo atingem os olhos de Jair.
Depois de um atendimento no hospital a família recebe a notícia; Jair ficara cego.

O jovem trabalhador, com desejo de casar, ter filhos e conhecer o Pantanal, sente-se perdido.

Sonhos e desejos podem superar grandes dificuldades.

Ele casa com Eliza e tem uma dupla surpresa ao ser pai, nascem os gêmeos que recebem os nomes de Ricardo e Rodrigo.

O tempo passa rápido diante os olhos fechados de Jair. Pai e marido presente tem o carinho da esposa, filhos e amigos. A falta de visão não trouxe uma vida inativa. O bom humor e trabalho o mantiveram vivo e “enxergando” outras possibilidades; uma das mais tocantes, conhecer o Pantanal.

Mais de 20 anos haviam se passado desde aquela tragédia. Jair com suas economias enfim poderia conhecer o Pantanal. A família e amigos respeitavam seu sonho e desejo, muito embora não o compreendesse. Os filhos agora com 20 anos de idade eram bons companheiros, mas apenas Rodrigo acompanhou o pai até o Pantanal.

Desde que chegaram à empolgação de Jair era mais do que evidente. Rodrigo sentia o fato de o pai estar com quase 50 anos de idade no lugar onde sempre sonhou conhecer e não poderia ver nada. Mas estavam ali e isso é o que importava.

Os passeios por diversos lugares, inclusive nos de barco se tornaram especiais.

Rodrigo fora surpreendido pelo pai que disse:

- Rodrigo. Quero que você descreva tudo. O que está desse e daquele lado. Como é a cor dessa água. Se as árvores são grandes. Da para ver peixes e jacarés. E os pássaros. Me conte se há muita variedade. Diga a cor deles e também como é o barco. Como está o céu. Quero que me conte tudo, filho.

Rodrigo foi tomado por um sentimento jamais imaginado. O jovem de 20 anos como que “doaria” em vida os olhos ao pai. Mais do que isso; teria que descrever o sonho de um homem que não podia ver o que estava tão perto.

Quando retornaram foram indagados pelos demais familiares e amigos que queriam saber como foi à viagem. Esperavam ver a alegria de Jair enquanto o filho faria à narrativa.

Rodrigo costumava nessas ocasiões colocar a mão no ombro do pai e dizer aos curiosos:

- Acredito que meu pai viu mais que eu.

Jair contava detalhes que somente um grande observador e apreciador do Pantanal e da natureza teria notado para narrar de maneira tão entusiástica.

Nunca ninguém pensou em perguntar como aquele homem cego havia registrado tantas maravilhas e tantos detalhes.

Quando Rodrigo perguntava ao pai se ele ainda lembrava do Pantanal, Jair dizia:

- Tudo, meu filho. Cada detalhe. Tenho em minha mente as imagens através dos seus olhos!



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