Era por volta do ano de 1995. Eu estava em uma agência
bancaria no bairro, Estreito, Florianópolis, havia uma grande fila que mal
parecia se mover. Contas e depósitos me faziam ficar muito concentrado nos
detalhes. De repente, olho para frente e observo um rapaz com os olhos fixos em
mim.
Acenei com a cabeça acreditando o conhecer de algum lugar,
sabe Deus de onde.
Voltei atenção às contas a pagar e depósitos a fazer.
Quando levanto a cabeça o rapaz está a minha frente e
sorrindo. Definitivamente não me lembrava dele, mas educação e simpatia não
fazem mal a ninguém, pelo contrário.
Bastou eu dizer oi e ele seguiu a conversa:
- E aí, rapaz, tudo bem?
Tentei lembrar dele; quem sabe do colégio, Cabral, CEPU,
Escola Técnica; nada, não lembrava.
Resolvi manter a gentileza e mantive a
conversa:
- Estou bem, obrigado. E tu, estás bem?
- Ah, estou bem, na luta de sempre. Essa fila não é
novidade, mas hoje está demais.
Ele me olhava como se me conhecesse bem e continuou nossa
conversa:
- E teus pais, estão bem de saúde? Sinto saudades deles.
Agora eu estava mais assustado, como ele poderia conhecer
até meus pais e eu não lembrar dele.
Senti vontade de dizer que ele deveria estar me confundindo, mas havia
várias pessoas na fila que ouviam nossa conversa e tive receio de
constrangê-lo. Confirmei que meus pais estavam bem e mantive o papo,
perguntando:
- E teus pais, estão bem de saúde, estão aposentados?
- Estão aposentados sim e a saúde, razoável.
A fila começava a se movimentar e parecia que alguns que nos
olhavam até perguntavam por que ainda não tínhamos trocado um abraço, afinal de
contas, era ou parecia o reencontro de velhos amigos. Pensei que já era hora de
dizer que havia algum engano, que ele havia me confundido com alguém. Quem sabe
se com jeito eu perguntasse seu nome dizendo que havia esquecido, ele
perguntaria o meu e veria por conta própria seu engano.
Quando eu ia perguntar seu nome mais uma surpresa do meu
“velho conhecido”.
- Ah, eu já ia me esquecendo. Tenho uma fotografia nossa, está
em minha carteira, só um instante que vou pegá-la.
Dessa vez quase tive certeza de estar sem memória. Claro que
ele me conhecia, tinha até uma fotografia nossa. Pronto, ele estava certo e eu
doido. Ele tirou a fotografia da carteira e com o indicador direito apontaria
para minha imagem na foto. Gelei. Que loucura. Como podia não me lembrar dele
se até uma fotografia comigo ele tinha? Ele baixou a foto e me perguntou:
- Quando foi mesmo que tu destes baixa do exército?
A coisa só piorava. Quem estava louco, eu ou ele? Eu nunca
servi o exército. Se eu estivesse mesmo na fotografia teria que procurar por um
tratamento psiquiátrico urgente. Ele me mostrou a fotografia e apontou para
ele, rindo. Em seguida nós dois procuramos minha imagem na fotografia. Eu olhei
os cinco militares e não me reconheci em nenhum deles. Antes que ele notasse
isso apontou para um deles e disse:
- Que loucura o João, hein. Cometeu suicídio um mês depois
de dar baixa. Mas não estou te encontrando. Claro, desculpe amigo. Quando tiramos
esta fotografia tu já havias dado baixa, acho que uma ou duas semanas antes. Lá
em casa tenho uma em que estamos juntos. Ainda trabalha no mesmo lugar?
Perplexo com sua convicção e com pena de desagradá-lo, disse
que sim, que trabalhava no mesmo lugar. Não sei de que mesmo lugar ele falava.
O rapaz estendeu a mão e eu também. Depois ele sorriu e nos abraçamos. Ele foi
se afastando e falando ao mesmo tempo:
- Foi bom te reencontrar. Vou dizer aos meus pais que estás
bem. Por favor, mande um abraço para os seus. Assim que achar nossa fotografia
levo pra ti. Abraço!
Já estava chegando a minha vez de ser atendido. Até hoje
penso numa razão para aquela situação. Um reencontro de quem nunca havia se
visto antes. Memórias do quartel que nunca frequentei. A prova na fotografia em
que eu não estava. Não o constrangi e nem o deixei magoado. Ele fora embora com
a sensação de ter encontrado um velho amigo e eu consegui não deixá-lo
constrangido com seu equívoco.
Mas confesso que
fiquei curioso em ver a outra fotografia. Sabe lá!
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