Para quem fala do assunto com tranquilidade não sentirá
receio na sequência dessa crônica.
Já os mais receosos talvez digam: “Tá é louco, que assunto
hein”.
Escrevi uma crônica há mais de um ano com o tema – Deitado,
nem morto; baseada num costume em certa cidade americana onde a Lei municipal
permite a família, respeitando o desejo do finado de ser velado fora do caixão.
Vale numa rede ou cadeira de balanço, numa moto Harley- Davidson, na cadeira a
beira da mesa com uma lata de cerveja à frente, enfim, o que a pessoa mais
gostava de fazer em vida. Ah, vale ressaltar que a Lei proíbe em posições
imorais.
Como o assunto é morte e a necessidade de doação de órgãos é
grande chegamos ao tema – Ausente ao funeral.
Particularmente nunca gostei da ideia de ser colocado num
caixão, nem vivo e nem morto. Também não digo que teria o desejo de ser velado
fazendo o que gosto; com tesoura e navalha nas mãos, com o computador sobre as
minhas pernas como costumo escrever ou próximo a um microfone realizando uma
entrevista ou apresentando um programa de rádio.
Por anos deixei minha família avisada de que sou doador de
órgãos, mas tive outra ideia.
Que tal ir para a faculdade ou a universidade assim que
encerrar a carreira de barbeiro e jornalista?
Uma vaga garantida na UFSC, e
saber que poderei ser útil à medicina, a ciência.
E melhor de tudo;
escapar do caixão, flores e a sogra rezando ao meu lado. E tem mais, sem
trabalho para a família arrumar lugar para deixar essa beleza de corpo ou mesmo
os gastos com a bendita cremação.
Assim que estiver com tudo decidido vou avisar a família e
aos amigos que não se assustem se chegarem ao meu funeral e não virem a tal
urna, não a eletrônica ou a eleitoral, o famoso paletó de madeira, flores e
toda estrutura em volta.
Estou pensando seriamente em entrar para a universidade. Por
que parar de trabalhar depois de morrer? Trabalho sem esforço, sem levantar
cedo em dias frios, livre da labuta nos dias quentes de verão. E continuar a
fazer algo de útil, ainda que não veja e nem sinta. Cardiologistas,
neurologistas, urologistas, proctologistas; nem esses dois últimos causarão
calafrios.
Quando alguém lembrar e perguntar por mim, dirão: Está na universidade.
Grande colaborador de professores e alunos de medicina. Quem sabe esse corpo
venha a ajudar na descoberta de mais curas, melhores tratamentos.
O tema pode parecer um tanto indigesto. Pode parecer ironia
com coisas sérias, mas jornalismo é assim; fazer pensar, levantar temas e
assuntos.
Fui bem atendido por telefone e informado que a pessoa
interessada pode ir até a universidade e preencher um documento, e claro,
avisar a família, ela terá plenos poderes quando nós não mais tivermos.
Pode-se velar a pessoa e depois enviar o corpo. Ou pode-se
enviar o corpo pra lá assim que se confirmar o óbito. Corpo inteiro, com todos
os órgãos.
Nesse caso vejo
vantagens. Sem caixão e sem despesas. Sem um velório de horas e horas. Talvez e
dependendo das crenças um discurso fúnebre. Pediria a um amigo que dissesse
algo sobre a minha pessoa, sobre o que creio e minhas convicções espirituais.
Pessoas rindo e falando das minhas gafes, que não são
poucas. Quem sabe alguém chorando nem que seja para fazer um grau. Boas
músicas. Não estarei ouvindo, mas deverá ser legal.
Aqui entre nós, se discutem tantas bobagens. A vida alheia,
por exemplo. Temas exaustivos não faltam na mídia. Será que isso não é
importante? Cabe a cada um responder e decidir, mas é fato que queremos e
precisamos do avanço da ciência e medicina.
Então, se eu estiver ausente no dia do meu funeral (do qual
não tenho pressa), não pense que estou atrasado, que estou no trânsito, ou que
me esqueci; talvez tenha mudado de hábito e profissão.
Ainda não está definido, mas possivelmente partirei da
barbearia e do jornalismo para a medicina, pelo menos como colaborador.
E admito, gostaria muito de escapar no meu funeral!
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