quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Barbearias


Quantos desabafos já aconteceram. Quantas revelações familiares já foram expressas.

Quantos conselhos já foram dados ou solicitados. Quantos pais “babaram” ao presenciar o primeiro corte de cabelo de um filho. Quantas vezes se discutiram assuntos que muitos dizem que não se discute: futebol, política e religião; espaço democrático.

Quantas crianças se tornaram adultos tendo como cúmplice de seus altos e baixos a barbearia.

Quantos chegavam a todo vapor e hoje entram com as dificuldades impostas pela idade avançada. 

Quantas vezes se faz um último atendimento sem o saber.

Não há quem não tenha histórias vivenciadas em uma barbearia.

Na quinta-feira, dia 10 de outubro de 1996, iniciei na profissão e lá se vão 20 anos. Calculo mais de 50 mil atendimentos.

Amizades, experiências, troca de conhecimentos e um caminho para a comunicação, e poderia haver lugar melhor para praticá-la?

Do homem que só depois de cego realizou o sonho de conhecer o Pantanal e conheceu sua beleza através dos olhos do filho que lhe contou cada detalhe.

De um menino de 4 anos que havia sido retirado da casa dos pais naquela manhã e chorava copiosamente enquanto eu o atendia. Perguntei aos funcionários da casa lar por que havia sido retirado de casa. Responderam que por maus tratos. Com um mandado judicial a criança fora resgatada do sofrimento. Em ignorância perguntei o porquê chorava tanto se agora estava livre dos agressores e das carências. O óbvio: Era uma criança de 4 anos, preferia estar com os pais mesmo apanhando e com fome.

De pai e filho que viviam em discussão, pé de guerra, sem diálogo. Um dia o filho comprou uma moto. As brigas aumentaram. Um mês depois o filho morreu num acidente com aquela moto. O pai passou a se culpar. Se culpar porque nunca havia conseguido ter uma conversa pacífica com esse filho de 18 anos. O pai ficou deprimido. A situação piorou. A cada visita a barbearia se esforçava em segurar as lágrimas diante um evidente remorso. Meses depois ele se matou.

De um senhor de mais de 80 anos que falava de seus pelo menos 11 filhos com os quais nunca havia convivido. Contou que um dia um rapaz, um de seus filhos o procurou. O chamou no portão e se identificou. O senhor, frio como sempre fora nem sequer convidou o filho para entrar. E não era por insegurança, ou medo de assalto. Disse que não queria nem saber de contato com os filhos, nunca quis.

De pais viúvos ou divorciados que cuidam dos filhos de maneira especial. São pai e mãe.

Um padrasto tão bondoso que o enteado preferiu ficar com ele em vez de com a mãe biológica após a separação. A mãe era “só biológica”, ele era pai. Por isso nunca gostei do ditado: “Deus é pai não é padrasto”.

De mães que ainda jovens confiaram no namorado e acabaram grávidas. Hoje criam filhos sozinhas. Seus sonhos se tornaram uma cruel realidade. A benção de ter um filho e os desafios de criá-lo sozinha. Alguns nem pagam pensão. Outros jamais visitam os filhos ainda que o possam.

Do pai que se culpa por insistir em um passeio ao qual o filho não queria acompanhar. O filho acabou aceitando e num mergulho ficou paraplégico.

Do homem que tinha vergonha de ir a um urologista para tratar um problema nos testículos até que um dia soube que um dos clientes que aguardavam era urologista. O homem saiu da cadeira do barbeiro, baixou o calção e o exame ocorreu ali mesmo. Visão infernal. Mas por uma boa causa.

As brincadeiras e os foras são inevitáveis. Cheguei a convencer um cliente chegado a uma pinga que ele era um lobisomem. Depois ele perguntava se eu tinha contado para mais alguém.

O dia em que achei que o cliente que atendia fosse um “tanso” por não entender o que eu dizia. É que eu começara a conversa com um cliente que já havia saído e eu mantive a mesma conversa sem notar que já era outro cliente na cadeira.

Há tantas histórias que escrevi livros e há quase 8 anos mantenho crônicas semanais.

Nos últimos anos as crônicas tomaram um rumo diferente. Não são mais apenas histórias de barbearia. Caminhei por uma estrada onde o caminho se mostrou diferente do que imaginava. Passei a escrever, criar, contar, compartilhar e informar. Livros, colunas, crônicas, contos, artigos, programa de rádio com entrevistas e o nome – Na cadeira do barbeiro. Está aí um lugar que deixa as pessoas à vontade. Confiando no barbeiro se compartilha muitas histórias. Barbeiros costumam ter fama de fofoqueiros. Quase de tudo se comenta ali.

Com o tempo peguei o caminho mais próximo de todos nós; nossos sentimentos, ambições, frustrações, desejos, conhecimentos, opiniões, arrependimentos, sonhos e deixei “a cadeira do barbeiro criar asas”.

Da próxima vez que sentar numa cadeira de barbeiro saiba que há ali muitas histórias de vida e a sua pode ser uma delas.

No Portal Instituto Caros Ouvintes Para Pesquisa e Estudo de Mídia há cerca de 200 publicações entre crônicas, artigos e entrevistas.
Em meu blog: http://deivisonnacadeiradobarbeiro.blogspot.com.br/ Também há centenas de publicações.

Um amigo um dia me perguntou se é difícil escrever. Hoje entendo que é um desafio e uma necessidade. Desafios gramaticais e de conteúdo. Necessidade tal como um vício de expressar em crônicas e artigos temas que fazem parte do nosso cotidiano e entendo por relevantes.

A arte da comunicação consiste em primeiramente ouvir, depois falar e escrever.

Tudo isso e mais um pouco acontece bem aqui – Na cadeira do barbeiro!




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