quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Superativo ou hiperativo?


Desde que comecei a publicar minhas crônicas em 2009 vários personagens reais delas e outros me perguntavam por que eu não contava histórias minhas. Conto sim. Sempre contei.

Relatei minha primeira consulta com um proctologista. E para alegria de alguns e inferno de outros me comprometo a escrever sobre meu exame de próstata que deve ocorrer até o ano que vem.  

Prometo judiar meus leitores com os mais terríveis detalhes. Bom, pelo menos se o médico não for tímido.
O jornalismo tem por obrigação e ética profissional a preocupação de levar a sociedade, as pessoas, notícias e informações que de preferência sejam relevantes.

Acontece que algumas vezes o assunto que vamos abordar é algo que sentimos na pele e talvez por isso mergulhamos mais a fundo. Quem dera sempre fosse assim, independente de sentirmos ou não na pele.

Permitam uma explicação. Não pare de ler, embora pareça confusão, faz parte da explicação.

Amigos me diziam: “Poxa, que cabeça boa você tem, faz tantas coisas ao mesmo tempo”."Como consegue conciliar a barbearia, publicação dos livros, colunas em jornais, blog, crônicas no Caros 

Ouvintes, produzir e apresentar um programa de rádio, cuidar da família, do lado espiritual, com enxaqueca e ansiedade?”. “Coitada da tua esposa, eu não queria ser ela, não deve sobrar tempo”. 

“Sinto até vergonha de falar contigo, não faço nem um terço do que tu fazes e já acho que é demais, te admiro”. Comentários de amigos de diversas áreas.

Procure ouvir uma mente hiperativa: “Tenho que comprar... pagar... escrever... essa ideia parece boa... preparar uma palestra... consertar o carro... ah, a porta do banheiro lá de casa... tenho que ligar para meu próximo entrevistado... elaborar perguntas... preciso visitar novos apoiadores culturais... fazer uma reforma na barbearia e conferir esse novo corte... visitar meus pais... marcar minha consulta... será que vou lançar meu...”.

Num ritmo simplesmente alucinante. Em alta velocidade. É assim que funciona a cabeça, a mente de quem sofre de TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade); claro que a relação logo ali em cima é reduzida, multiplique por 10 ou por 50 que não será exagero.

Os dois lobos frontais são as partes do cérebro menos desenvolvidas nos hiperativos.

Substâncias importantes são pouco ou lentamente produzidas em quem tem TDAH.

E note algumas das funções desses dois lobos frontais e das substâncias necessárias: Atenção, tomada de decisões, organização, resolução de problemas, planejamento, consciência e controle de emoções.

Pesquisas mostram que TDAH não é uma “doença”, que se adquire, se trata e se cura.

O TDAH é uma síndrome, um conjunto de fatores.

Já foi dito que pedir para quem sofre de hiperatividade se concentrar ou se organizar é o mesmo que pedir a uma pessoa que sofre de miopia se esforçar em ler sem os óculos.

Sofro de enxaqueca há 30 anos. Dores quase diárias. Lembro que em 1999 fiquei uma semana inteira sem dor. Nem penso mais em cura e não gosto que me mandem matérias sobre o tema, ainda que o façam com boas intenções. Convivo com a dor.

Há dois anos faço tratamento para o transtorno de ansiedade e no início desse ano recebi do meu psiquiatra a notícia, após cautelosa avaliação, de que tenho certo grau de TDAH.

Então aqueles elogios sobre eu ser um cara superativo, ótima memória, grande disposição, ousado, cheio de objetivos, saber conciliar bem meu tempo; veio por água abaixo.

Bom, pelo menos em parte. Toda essa agitação mental que me acompanha desde sempre foi explicada.  Não pode ser usada como desculpas ou justificativas, mas entendi o motivo de mergulhar em tantas coisas ao mesmo tempo. De me dar mal nos estudos, ser reprovado, ter dificuldade em prestar atenção, ser impulsivo, ofender sem perceber, aprender com mais facilidade estudando sozinho e do meu jeito.

Da barbearia fui aos livros de crônicas e depois a um romance. Ao mesmo tempo comecei a escrever as colunas de jornal, crônicas em meu blog, Caros Ouvintes, produzir e apresentar um programa de rádio.
Quando me dei por conta já estava com meu registro profissional de jornalista. Cheguei à comunicação com constantes estudos e práticas e nem penso em pegar um diploma; apenas continuo estudando.

A hiperatividade no adulto é descrita como a dificuldade em ficar parado. Em alguns se manifesta em atividades gerais, trabalhos, esportes e assim por diante. Pensamos em tudo e praticamente ao mesmo tempo. Não concluímos tarefas nem pensamentos. Há um constante engarrafamento de ideias, pensamentos.

Existem atividades estimulantes que podem acarretar prejuízos graves como: abuso de álcool, drogas, busca desenfreada por sexo, compulsão alimentar, dirigir em alta velocidade, atividades de risco, mergulhar no trabalho e outras igualmente perigosas.

Necessidade de troca de estímulos: troca incessante de emprego, términos abruptos de relacionamentos e não terminar cursos.

Para quem descobre o TDAH tardiamente, ou seja, na fase adulta, é também recomendado procurar terapia: Cognitivo comportamental para ajudar a desfazer crenças que já se instalaram em seu sistema de crenças; quanto a suas habilidades e capacidades.

Ser ativo é bom. Superativo talvez até seja, dependendo das circunstâncias. Ter TDAH, ou hiperatividade nunca é bom. O hiperativo sofre e inclui no seu sofrimento sem perceber as pessoas mais próximas.

Se notar seu filho (a) com mais de 6 anos com características hiperativas faça uma avaliação psiquiátrica. Se for adolescente não perca tempo. E se for adulto pode parecer tarde, mas há uma luz no fim do túnel. Descobrimos o porquê de muitas de nossas dificuldades. Iniciamos um tratamento e vamos levando a vida. Não existe multa para uma mente em alta velocidade, mas pagamos um preço alto por isso. Trabalho, relacionamentos amorosos, família, estudos, amizades podem ser comprometidos.

Buscar a opinião de um bom profissional da saúde, apoio da família e a decisão de fazer a nossa parte é essencial.

A mesma angustia que nos atormenta produz ideias e projetos que poderiam ser melhor planejados e executados se não tivéssemos essa dificuldade imposta pela hiperatividade. Levei tempo para admitir, pois mesmo já em tratamento tentava me convencer que deve ser frescura, coisa da minha cabeça.

Ajuda profissional é indispensável. Se for pesquisar escolha fontes confiáveis.

Ainda sonho um dia “aterrissar”. Imagino como deve ser assistir a um filme, ouvir uma música, admirar uma paisagem sem ser atropelado por inúmeros pensamentos, ideias e projetos.

E se um dia isso acontecer e eu não for atropelado pelos pensamentos em velocidade alucinante talvez passe a escrever sobre essa nova sensação. Ou seja, por mais que creia no tratamento até nesse momento de paz abriria caminho para soltar a imaginação e escrever sobre isso.


Caso contrario é porque eu estaria realmente curado. Curado de quê?

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