Desde que comecei a publicar minhas crônicas em 2009 vários
personagens reais delas e outros me perguntavam por que eu não contava
histórias minhas. Conto sim. Sempre contei.
Relatei minha primeira consulta com um proctologista. E para
alegria de alguns e inferno de outros me comprometo a escrever sobre meu exame
de próstata que deve ocorrer até o ano que vem.
Prometo judiar meus leitores com os mais terríveis detalhes. Bom, pelo
menos se o médico não for tímido.
O jornalismo tem por
obrigação e ética profissional a preocupação de levar a sociedade, as pessoas,
notícias e informações que de preferência sejam relevantes.
Acontece que algumas vezes o assunto que vamos abordar é
algo que sentimos na pele e talvez por isso mergulhamos mais a fundo. Quem dera
sempre fosse assim, independente de sentirmos ou não na pele.
Permitam uma explicação. Não pare de ler, embora pareça
confusão, faz parte da explicação.
Amigos me diziam: “Poxa, que cabeça boa você tem, faz tantas
coisas ao mesmo tempo”."Como consegue conciliar a barbearia, publicação dos livros,
colunas em jornais, blog, crônicas no Caros
Ouvintes, produzir e apresentar um
programa de rádio, cuidar da família, do lado espiritual, com enxaqueca e
ansiedade?”. “Coitada da tua esposa, eu não queria ser ela, não deve sobrar
tempo”.
“Sinto até vergonha de falar contigo, não faço nem um terço do que tu
fazes e já acho que é demais, te admiro”. Comentários de amigos de diversas
áreas.
Procure ouvir uma mente hiperativa: “Tenho que comprar...
pagar... escrever... essa ideia parece boa... preparar uma palestra...
consertar o carro... ah, a porta do banheiro lá de casa... tenho que ligar para
meu próximo entrevistado... elaborar perguntas... preciso visitar novos apoiadores
culturais... fazer uma reforma na barbearia e conferir esse novo corte...
visitar meus pais... marcar minha consulta... será que vou lançar meu...”.
Num ritmo
simplesmente alucinante. Em alta velocidade. É assim que funciona a cabeça, a
mente de quem sofre de TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade);
claro que a relação logo ali em cima é reduzida, multiplique por 10 ou por 50
que não será exagero.
Os dois lobos frontais são as partes do cérebro menos
desenvolvidas nos hiperativos.
Substâncias importantes são pouco ou lentamente produzidas
em quem tem TDAH.
E note algumas das funções desses dois lobos frontais e das
substâncias necessárias: Atenção, tomada de decisões, organização, resolução de
problemas, planejamento, consciência e controle de emoções.
Pesquisas mostram que TDAH não é uma “doença”, que se
adquire, se trata e se cura.
O TDAH é uma síndrome, um conjunto de fatores.
Já foi dito que pedir para quem sofre de hiperatividade se
concentrar ou se organizar é o mesmo que pedir a uma pessoa que sofre de miopia
se esforçar em ler sem os óculos.
Sofro de enxaqueca há 30 anos. Dores quase diárias. Lembro
que em 1999 fiquei uma semana inteira sem dor. Nem penso mais em cura e não
gosto que me mandem matérias sobre o tema, ainda que o façam com boas intenções.
Convivo com a dor.
Há dois anos faço tratamento para o transtorno de ansiedade
e no início desse ano recebi do meu psiquiatra a notícia, após cautelosa
avaliação, de que tenho certo grau de TDAH.
Então aqueles elogios sobre eu ser um cara superativo, ótima
memória, grande disposição, ousado, cheio de objetivos, saber conciliar bem meu
tempo; veio por água abaixo.
Bom, pelo menos em parte. Toda essa agitação mental que me
acompanha desde sempre foi explicada.
Não pode ser usada como desculpas ou justificativas, mas entendi o
motivo de mergulhar em tantas coisas ao mesmo tempo. De me dar mal nos estudos,
ser reprovado, ter dificuldade em prestar atenção, ser impulsivo, ofender sem
perceber, aprender com mais facilidade estudando sozinho e do meu jeito.
Da barbearia fui aos livros de crônicas e depois a um
romance. Ao mesmo tempo comecei a escrever as colunas de jornal, crônicas em
meu blog, Caros Ouvintes, produzir e apresentar um programa de rádio.
Quando me dei por
conta já estava com meu registro profissional de jornalista. Cheguei à
comunicação com constantes estudos e práticas e nem penso em pegar um diploma;
apenas continuo estudando.
A hiperatividade no adulto é descrita como a dificuldade em
ficar parado. Em alguns se manifesta em atividades gerais, trabalhos, esportes
e assim por diante. Pensamos em tudo e praticamente ao mesmo tempo. Não
concluímos tarefas nem pensamentos. Há um constante engarrafamento de ideias,
pensamentos.
Existem atividades estimulantes que podem acarretar
prejuízos graves como: abuso de álcool, drogas, busca desenfreada por sexo,
compulsão alimentar, dirigir em alta velocidade, atividades de risco, mergulhar
no trabalho e outras igualmente perigosas.
Necessidade de troca de estímulos: troca incessante de
emprego, términos abruptos de relacionamentos e não terminar cursos.
Para quem descobre o TDAH tardiamente, ou seja, na fase
adulta, é também recomendado procurar terapia: Cognitivo comportamental para
ajudar a desfazer crenças que já se instalaram em seu sistema de crenças;
quanto a suas habilidades e capacidades.
Ser ativo é bom. Superativo talvez até seja, dependendo das
circunstâncias. Ter TDAH, ou hiperatividade nunca é bom. O hiperativo sofre e
inclui no seu sofrimento sem perceber as pessoas mais próximas.
Se notar seu filho (a) com mais de 6 anos com
características hiperativas faça uma avaliação psiquiátrica. Se for adolescente
não perca tempo. E se for adulto pode parecer tarde, mas há uma luz no fim do
túnel. Descobrimos o porquê de muitas de nossas dificuldades. Iniciamos um
tratamento e vamos levando a vida. Não existe multa para uma mente em alta
velocidade, mas pagamos um preço alto por isso. Trabalho, relacionamentos
amorosos, família, estudos, amizades podem ser comprometidos.
Buscar a opinião de um bom profissional da saúde, apoio da
família e a decisão de fazer a nossa parte é essencial.
A mesma angustia que nos atormenta produz ideias e projetos
que poderiam ser melhor planejados e executados se não tivéssemos essa
dificuldade imposta pela hiperatividade. Levei tempo para admitir, pois mesmo
já em tratamento tentava me convencer que deve ser frescura, coisa da minha
cabeça.
Ajuda profissional é indispensável. Se for pesquisar escolha
fontes confiáveis.
Ainda sonho um dia “aterrissar”. Imagino como deve ser
assistir a um filme, ouvir uma música, admirar uma paisagem sem ser atropelado
por inúmeros pensamentos, ideias e projetos.
E se um dia isso acontecer e eu não for atropelado pelos
pensamentos em velocidade alucinante talvez passe a escrever sobre essa nova
sensação. Ou seja, por mais que creia no tratamento até nesse momento de paz
abriria caminho para soltar a imaginação e escrever sobre isso.
Caso contrario é porque eu estaria realmente curado. Curado
de quê?
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