Manoel, filho caçula de seu Ernesto era um desses jovens dos
quais se costuma dizer: Cheio de vida, planos e sem limites.
Seus cinco irmãos mais velhos pareciam ter mais em comum com
o pai. Metódicos, responsáveis, prudentes.
Nesse caminho de diferentes personalidades começaram
cobranças e comparações por parte de seu
Ernesto. Na melhor das intenções o pai
indicava ao filho caçula como teria maiores oportunidades e êxito caso imitasse
o exemplo dos irmãos mais velhos.
As cobranças se intensificaram a ponto de “credor e devedor”
não terem mais uma única conversa pacífica. A cada troca de palavras uma
discussão mais acalorada. Em cada conversa uma briga que fazia crescer a
distância tão rápida e sutil que nenhum dos dois notaria.
Morando na mesma casa
pai e filho se viam de perto, mas se enxergavam tão longe que não parecia haver
assunto entre eles; pelo menos não em algo em que concordassem.
Seu Ernesto tinha uns 54 anos e sempre fora conhecido como
homem sério e trabalhador.
Com a morte do filho passou a desabafar com o barbeiro:
- Sabe rapaz. Eu acho que o Manoel não tem mais jeito.
Aquele guri não me ouve. Que rapaz teimoso. Os irmãos dele são diferentes.
Tanto a irmã, minha única filha mulher e meus outros quatro rapazes. Eles são
responsáveis, me escutam. Tu acreditas que aquele louco do Manoel disse que vai
comprar uma moto. Era só que faltava.
Manoel falava pouco sobre a difícil relação com o pai.
Apenas dizia que achava o pai cabeça dura e que não apoiava suas decisões.
Outro dia seu Ernesto indignado diz ao barbeiro:
- Pois não é que o Manoel comprou mesmo uma moto. Eu já
disse lá em casa que ele vai se matar com essa droga. Ainda ontem ele subiu
naquela moto e saiu em disparada.
Manoel visitou o barbeiro e disse que tinha se presenteado
com a moto pelos seus 18 anos recentemente completados.
Certa manhã de domingo o barbeiro caminha próximo a
barbearia quando nota alguns senhores conversando de maneira tensa e se
aproxima deles. Um dos senhores diz:
- Tu já soube o que aconteceu?
O barbeiro responde que não.
O senhor que fez a pergunta conta:
- Ontem à noite o Manoel, filho do seu Ernesto, morreu num
acidente de moto na BR 101.
O barbeiro lembrou que no dia anterior, sábado, quando saiu
da barbearia encontrou Manoel com um grupo de amigos perto da barbearia. Manoel
e os amigos educadamente cumprimentaram o barbeiro e sua esposa lhes desejando
um bom final de semana. Manoel era de fato um rapaz que demonstrava muita
educação e simpatia.
O barbeiro foi até a casa de seu Ernesto onde acontecia o
velório de Manoel.
Semanas e meses se passaram. A cada visita de seu Ernesto a
barbearia a história se repetia. Seu Ernesto mal sentava e começa seus
desabafos:
- Não consigo acreditar que isso aconteceu. Ele só tinha 18
anos. Nós brigávamos muito. Não havia mais papo e nem conversa, só brigas e
mais brigas.
Me sinto culpado, meu amigo. Devia ter ouvido mais ele.
Tinham tantas pessoas no velório e no enterro dele. Ele tinha muitos amigos. E
eu não parecia ser um deles.
Por que eu não sentei na cama dele e procurei conversar
mais, entender, respeitar um pouco mais o jeito dele. Isso tá me matando. Eu
não aguento mais de saudade e arrependimento.
Essas conversas se repetiram por mais de seis meses. Seu
Ernesto estava visivelmente transtornado desde a morte do filho. Havia
emagrecido e envelhecido em meses o que era para ser em anos.
Numa manhã de terça-feira, uns oito ou dez meses após a
morte de Manoel, enquanto o barbeiro abria a porta do seu salão viu uma vizinha
se aproximar. Ela trazia uma triste notícia. Seu Ernesto havia morrido no dia
anterior. Não fora nem doença nem acidente. A dor, tristeza, lástima,
sentimento de culpa, fizeram seu Ernesto abreviar seus dias. De maneira consciente
ou não foi à maneira que buscou a paz.
A distância entre eles era curta. A casa não era muito
grande. Poucos passos ou metros os separavam.
Mesmo quando se cruzavam pela
casa parecia haver uma enorme distância.
Uma distância criada sem que se dessem conta. Tão perto e
tão distantes.
Hoje não há mais brigas e nem desentendimentos entre seu
Ernesto e Manoel. Há somente uma imagem criada na mente do barbeiro que os
conhecera. Se tivessem cedido. Se tivessem falado e ouvido sem julgamentos. Se
tivessem trocado toda intriga por boas conversas, risadas e abraços.
Quem sabe
a distância entre Ernesto e Manoel só lhes daria espaço para se olharem e
perceberem no que mais se pareciam – fazer as coisas do seu próprio jeito.
A mesma distância que os separava em casa os separou da
vida.
Mas a distância se tornou grande demais!
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