No dia 22 de novembro de 1910 uma rebelião que envolveu
2.400 marinheiros assustou o então presidente Hermes da Fonseca.
O líder do movimento, João Cândido Felisberto, o célebre
almirante negro.
A ameaça; bombardear
a cidade do Rio de Janeiro, na época capital do Brasil.
O motivo; as péssimas condições de trabalho dos marinheiros.
Por péssimas condições, entenda-se: baixos salários, má alimentação e castigos
físicos, entre eles o uso da chibata.
A proclamação da República ocorreu no dia 15 de novembro de
1889. No dia seguinte, o então presidente, marechal Deodoro da Fonseca, por
decreto, havia colocado fim aos castigos, as chicotadas.
Na prática isso não aconteceu. No final do século XIX e
início do século XX tanto a polícia bem como pais enviavam a Marinha pessoas ou
filhos rebeldes.
Normalmente por erros médios os marinheiros eram castigados
com 25 chicotadas.
Certo dia o marinheiro, Marcelino Rodrigues tentou entrar no
navio com duas garrafas de cachaça.
Ao ser repreendido por um superior
iniciou-se uma briga onde Marcelino feriu o colega com uma navalha. A punição
surpreendeu até os marinheiros que já estavam “acostumados” aos castigos.
Marcelino Rodrigues foi chicoteado diante os colegas de maneira especial, levou
250 chicotadas. O iodo era a única ajuda medicinal que recebiam os que eram
chicoteados.
Acontece então a Revolta da Chibata. Uma insurreição, um
levante de cunho social por subdivisões da Marinha do Rio de Janeiro.
Na época a Marinha era composta por 50% de negros, 30%
mulatos, 10% caboclos e 10% brancos.
O levante durou de 22 a 27 de novembro de 1910. O presidente
Hermes da Fonseca notou que não era blefe. De fato, morreram alguns marinheiros
e também 5 oficiais.
Depois de muitos maus tratos, as 250 chicotadas como punição
ao marinheiro Marcelino Rodrigues levou a preparação desse motim.
Hoje notamos similaridades lamentáveis.
Maria da Penha. Uma Lei criada após uma mulher sofrer
agressões por mais de 20 anos, entre elas um tiro que a deixou paraplégica.
A violência contra a mulher continua. Assim como contra
crianças e idosos. Sem esquecer as vitimas dos criminosos do trânsito.
Opa, a crônica/coluna não incentiva a rebelião. Rebeliões
costumam ferir e matar, inclusive inocentes. A educação, a consciência, a humanidade,
a empatia e o respeito tem tudo para levar a comportamentos que jamais
necessitam de rebeliões.
Há poucos dias
conversei com uma mulher que admitiu apanhar do marido há 40 anos. Surras,
humilhações e ameaças de morte. No exato momento em que a encontrei ela estava
de saída para fazer uma denúncia. Já havia feito várias. Disse que havia sido
muito bem atendida pelos policiais.
Mas nada havia mudado dentro de casa. Em
nossa conversa que durou mais de uma hora e por alguns instantes fora observada
pelo marido, a mulher mostrou um roxo em seu braço esquerdo e partes da roupa
rasgada. Quando mostrou o ferimento no braço, disse:
“Isso não é nada, já estou acostumada”. Disse que o marido
fora muito cruel com seu filho mais velho. Ela contou que certo dia sua filha
disse: “A mãe tem o que merece, parece até que gosta”. A mãe deu um tapa no
rosto da filha. Parece que a filha só queria dizer a mãe: “Poxa mãe, como à
senhora aguenta, a senhora não merece isso, já dura muitos anos, ponha um fim
nessa história, o deixe”. Essa foi minha leitura das palavras da filha.
A senhora agredida por 40 anos disse que até suas irmãs
sempre a incentivaram a continuar com o marido. Diziam que ele é um bom marido
e merecia seu perdão e compreensão. Uma mulher agredida ouvir isso das próprias
irmãs sugere algo terrível em nossa sociedade. Machismo, tolerância exagerada
ou o quê?
Não sei se dia 22 de novembro haverá lembranças da Revolta
da Chibata. Talvez haja, quem sabe com outras lições. Boa leitura é aquela em
que aprendemos a ler nas entrelinhas. Nos faz crescer, amadurecer. Entender que
o leitor não é e não deve ser passivo.
A chibata aplicada aos marinheiros. A violência contra a
mulher que levou a criação da Lei Maria da
Penha. A violência do trânsito
comprovando que não há destino, que não existe o – era para ser assim, era para
acontecer.
E atenção moças que estão namorando: Ele te feriu
fisicamente, verbalmente, segurou firme pelo braço demonstrando que ele pensa
ser teu dono, usa drogas ou abuso do álcool e não demonstra esforços em
melhorar? Cai fora. Parte pra outra. Não faltará um homem de verdade para te
fazer feliz.
Nenhum de nós precisa esperar para fazer uma revolta, nunca
acaba bem para ninguém.
Revolta é contra ideias e crenças que tentam enfiar em nossa
cabeça. Revolta é contra ler com pouca atenção. Não ir atrás “das massas e das
mídias de grandes massas” que por inúmeros motivos e por vezes não apresentam
todos os fatos ou são tendenciosos.
Podemos trocar revoltas e motins por educação, estudos,
imparcialidade e muito respeito.
O almirante negro, João Cândido faleceu em 6 de dezembro de
1969. Viveu o bastante para presenciar as duas principais “revoluções” do
Brasil. Em 1930 e em 1964.
A chibata literal até ficou no passado, mas a “chibata”
continua castigando mulheres, crianças, idosos e vítimas dos criminosos do
volante.
Mas nós podemos fazer a nossa parte, e sabemos como!
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