quarta-feira, 31 de agosto de 2016

As memórias de um jornalista


Bruno sempre fora elogiado por sua boa memória, muito embora ela falhasse em assuntos recentes. 

Uma boa memória é importante em especial para um jornalista em meio a inúmeras matérias e trabalhos.

Certo dia, Bruno recebeu sua pauta e achou mais do que interessante. Deveria viajar até Porto União em Santa Catarina para entrevistar um velho índio. O chefe de Bruno explicou que escolheram aquela pauta devido a temas sobre: Boa memória, e aquele índio, segundo o que se dizia, tinha uma memória incrível.

Bruno entra em seu fusca e viaja até Porto União. Assim que estaciona o carro passa a apreciar a bela cidadezinha com ar de interior e a costumeira calmaria.

Depois de caminhar alguns minutos pergunta a um homem na praça se conhece certo índio de boa memória. Para sua surpresa e facilidade o homem aponta para um índio sentado em um pequeno banco de pedra. Bruno leva a mão até o bolso da camisa com a intenção de pegar o bloco de anotações. Nota que havia o esquecido no carro. Assim que volta e abre o fusca vê o bloco no banco do carona e também seu gravador, do qual havia esquecido as pilhas novas no jornal.

Com o bloco nas mãos ele se aproxima do índio e começa a avalia-lo. Parece ter uns cinquenta e poucos anos, pele e aparência facial de um índio que vivia sem os cuidados da cidade, mas com a força e semblante de paz de quem vive exclusivamente em meio à natureza.

O jornalista atencioso abre seu bloco de notas e inicia breves lembretes sobre aquela situação.

Coloca a data: 25 de maio de 1985. Ele chega perto do índio, apresenta-se e pergunta sem avisar o motivo principal da entrevista; queria começar a matéria de maneira especial e testar a tal boa memória do índio. Bruno pergunta:

- O que o senhor comeu na manhã de 07 de junho de 1950?

- Ovos!

A resposta rápida, sem nem sequer um instante para pensar, ou um olhar para o alto a fim de buscar suas memórias. Simplesmente incrível. A conversa seguiu e surpreendeu muito a Bruno.

A matéria publicada no jornal em qual trabalhava no dia 28 de maio de 1985 fora muito elogiada.

O tempo passou rápido. Bruno já estava aposentado, mas continuava trabalhando. Aos 62 anos de idade nem pensava em deixar o jornalismo.

Em suas férias no mês de maio de 2015 ele viaja com esposa com a intenção de conhecer novos lugares, outras cidades. Chegam a Porto União, perto da divisa com o Paraná. Começa a caminhar com a esposa, Aline. Ela vê certa loja de artesanatos e diz ao marido que vai olhar mais de perto aquelas belas obras. Bruno sente algo estranho e diz à esposa que quer seguir em frente em sua caminhada. Explica que tem uma estranha sensação. Era como se já tivesse passado por essa cidade, mas não tem certeza de quando e por quê.

Ele pensa: Será que era uma namorada? Vim comprar um carro? Quem sabe alguma festa? Ou talvez alguma matéria para o jornal, mas sobre o quê?

De repente, ele olha adiante e vê sentado na praça, num pequeno banco de pedra, um velho índio. 

Agora as coisas começavam a fazer sentido. O velho índio, a praça, seu fusca; um índio com uma incrível memória. Devia fazer pelo menos 30 anos que estivera ali. Ele caminha lentamente em direção ao velho índio enquanto retornam seus pensamentos, sua lembranças, suas memórias.

Fica surpreso em ver o índio ainda vivo. Perplexo caminha em direção ao senhor. E dessa vez de férias, sem blocos de notas e sem os modernos aparelhos de comunicação. Bruno se abaixa em frente ao índio velho e pergunta ainda um tanto confuso:

- Mas como?

O índio velho, sem pensar, sem titubear, sem recorrer a olhar para cima em busca de respostas diz a Bruno imediatamente:


- Fritos!

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Ausente ao funeral


Para quem fala do assunto com tranquilidade não sentirá receio na sequência dessa crônica.

Já os mais receosos talvez digam: “Tá é louco, que assunto hein”.

Escrevi uma crônica há mais de um ano com o tema – Deitado, nem morto; baseada num costume em certa cidade americana onde a Lei municipal permite a família, respeitando o desejo do finado de ser velado fora do caixão. Vale numa rede ou cadeira de balanço, numa moto Harley- Davidson, na cadeira a beira da mesa com uma lata de cerveja à frente, enfim, o que a pessoa mais gostava de fazer em vida. Ah, vale ressaltar que a Lei proíbe em posições imorais.

Como o assunto é morte e a necessidade de doação de órgãos é grande chegamos ao tema – Ausente ao funeral.

Particularmente nunca gostei da ideia de ser colocado num caixão, nem vivo e nem morto. Também não digo que teria o desejo de ser velado fazendo o que gosto; com tesoura e navalha nas mãos, com o computador sobre as minhas pernas como costumo escrever ou próximo a um microfone realizando uma entrevista ou apresentando um programa de rádio.

Por anos deixei minha família avisada de que sou doador de órgãos, mas tive outra ideia.

Que tal ir para a faculdade ou a universidade assim que encerrar a carreira de barbeiro e jornalista? 

Uma vaga garantida na UFSC, e saber que poderei ser útil à medicina, a ciência.

 E melhor de tudo; escapar do caixão, flores e a sogra rezando ao meu lado. E tem mais, sem trabalho para a família arrumar lugar para deixar essa beleza de corpo ou mesmo os gastos com a bendita cremação.

Assim que estiver com tudo decidido vou avisar a família e aos amigos que não se assustem se chegarem ao meu funeral e não virem a tal urna, não a eletrônica ou a eleitoral, o famoso paletó de madeira, flores e toda estrutura em volta.

Estou pensando seriamente em entrar para a universidade. Por que parar de trabalhar depois de morrer? Trabalho sem esforço, sem levantar cedo em dias frios, livre da labuta nos dias quentes de verão. E continuar a fazer algo de útil, ainda que não veja e nem sinta. Cardiologistas, neurologistas, urologistas, proctologistas; nem esses dois últimos causarão calafrios.

Quando alguém lembrar e perguntar por mim, dirão: Está na universidade. Grande colaborador de professores e alunos de medicina. Quem sabe esse corpo venha a ajudar na descoberta de mais curas, melhores tratamentos.

O tema pode parecer um tanto indigesto. Pode parecer ironia com coisas sérias, mas jornalismo é assim; fazer pensar, levantar temas e assuntos.

Fui bem atendido por telefone e informado que a pessoa interessada pode ir até a universidade e preencher um documento, e claro, avisar a família, ela terá plenos poderes quando nós não mais tivermos.

Pode-se velar a pessoa e depois enviar o corpo. Ou pode-se enviar o corpo pra lá assim que se confirmar o óbito. Corpo inteiro, com todos os órgãos.

 Nesse caso vejo vantagens. Sem caixão e sem despesas. Sem um velório de horas e horas. Talvez e dependendo das crenças um discurso fúnebre. Pediria a um amigo que dissesse algo sobre a minha pessoa, sobre o que creio e minhas convicções espirituais.

Pessoas rindo e falando das minhas gafes, que não são poucas. Quem sabe alguém chorando nem que seja para fazer um grau. Boas músicas. Não estarei ouvindo, mas deverá ser legal.

Aqui entre nós, se discutem tantas bobagens. A vida alheia, por exemplo. Temas exaustivos não faltam na mídia. Será que isso não é importante? Cabe a cada um responder e decidir, mas é fato que queremos e precisamos do avanço da ciência e medicina.

Então, se eu estiver ausente no dia do meu funeral (do qual não tenho pressa), não pense que estou atrasado, que estou no trânsito, ou que me esqueci; talvez tenha mudado de hábito e profissão.

Ainda não está definido, mas possivelmente partirei da barbearia e do jornalismo para a medicina, pelo menos como colaborador.

E admito, gostaria muito de escapar no meu funeral!



quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Arma com porte e registro


Em tempos de violência, assaltos e impunidade muitos discutem a liberação do porte e uso de arma de fogo.

Se haverá a liberação ou não é motivo de debates e discussões nas rodas de amigos. Ainda assim somos portadores de uma “ferramenta”, um membro, ou uma “arma” da qual temos liberdade para usar dentro de casa, no trabalho, em festas, templos religiosos e até no churrasco com amigos.

Ela nasce conosco e ao primeiro tapinha que tomamos na vida, pelo menos na maioria dos casos, e já abrimos a boca mostrando nossa “faca”, “espada”, “pistola”. E daquele dia em diante a usamos para quase tudo na vida. Para avisar da fome, da necessidade de limpeza ou mesmo de pura birra.

Assim como armas são usadas em algumas situações para salvar vidas de inocentes, armas similares são usadas para o mal, com a intenção de ferir, amedrontar e até matar.

Nossa língua tem todo esse potencial, dificilmente alguém duvidaria.

Afinal de contas, quem de nós já não foi consolado com boas palavras em momentos difíceis?

E quem de nós já não teve a triste experiência de ouvir palavras como que disparadas de maneira cruel nos momentos mais complicados da vida?

Já que temos nosso “porte e registro” dessa poderosa arma poderíamos fazer como quem usa uma arma de fogo: Praticar. Mirar o alvo certo. Atirar na hora certa e com a intenção certa. E principalmente saber quando não sacá-la.

Simplesmente falar o que nos vem à mente e dizer que: “Eu sou assim mesmo, falo o que penso e não quero nem saber, é o meu jeito”, pode até parecer direito nosso, mas o que revela sobre a nossa perícia no uso de nossa “arma legal”?

Frases importantes: “Palavras impensadas são como golpes de uma espada...”. Provérbios 12:18. 

Dizer o que bem pensamos sem levar em conta se estamos certos ou errados é no mínimo inconsequente.

Quantas brigas poderiam ter sido evitadas, quantas vidas poderiam ser poupadas com o simples ditado: “Quando um não quer dois não brigam”. Frase sábia: “Uma palavra branda acalma o furor, mas a palavra dura atiça a ira”. Provérbios 15:1

Até na arte de conquistar coisas realmente importantes e da maneira correta ela pode ser usada: “Com paciência pode-se convencer um governante, e a língua suave pode quebrar um osso”. Provérbios 25:15

Nos filmes de faroeste assistimos homens sacando suas pistolas e o mais rápido vence o adversário. A perícia em sacar a arma, de mirar e atirar impressiona.

Hoje, como portadores de nossas “armas” poderíamos usar de perícia, bom senso e respeito ao próximo. Poderíamos avaliar o modo como falamos, como sacamos (abrimos a boca), como miramos (o que pretendemos com nossas palavras) e o tiro certo (como a bala/palavra afetará a pessoa atingida).

Por vezes não mostramos perícia nem quando a usamos para defender a quem amamos. Dizemos coisas que normalmente não diríamos. Usamos de argumentos que nem a nós convenceria, mas simplesmente a usamos.

Parece que muitos demonstram uma “certa perícia” em certas épocas do ano, no final do ano, por exemplo. As palavras de calor humano, de desejos de saúde, sucesso, paz, fraternidade e outras “disparadas” com sinceridade ou só por educação. Naqueles últimos dias do ano parece que somos peritos em usar nossa arma mais poderosa, mas e nos outros 11 meses do ano?

A arma continua ali. Muitos de nós a olhamos diariamente, até sua higiene fazemos. O detalhe é fazer bom uso dela não só para evitar brigas, mas para manter a paz. Não apenas como um amargo remédio, mas como uma cura.

Está aí uma arma que todos nós usamos mal vez por outra. A palavra falada ou escrita tem poder. 

Nem sempre vamos ouvir palavras que só nos agradam, afinal de contas há remédios que são amargos, mas necessários. Ainda assim com a intenção correta e muita atenção nossa arma companheira pode nos fazer sentir bem por usá-la para o bem.

Aliás, o único que pode nos multar ou nos cassar esse “porte” seremos nós mesmos por ferir e afastar desconhecidos e amados.

Podemos curar ou matar com nossa “arma” pessoal e legalizada.

Melhor pensar duas vezes antes de sacá-la da próxima vez; talvez nem a usemos!







quinta-feira, 11 de agosto de 2016

A fotografia


Era por volta do ano de 1995. Eu estava em uma agência bancaria no bairro, Estreito, Florianópolis, havia uma grande fila que mal parecia se mover. Contas e depósitos me faziam ficar muito concentrado nos detalhes. De repente, olho para frente e observo um rapaz com os olhos fixos em mim.

Acenei com a cabeça acreditando o conhecer de algum lugar, sabe Deus de onde.

Voltei atenção às contas a pagar e depósitos a fazer.

Quando levanto a cabeça o rapaz está a minha frente e sorrindo. Definitivamente não me lembrava dele, mas educação e simpatia não fazem mal a ninguém, pelo contrário.

Bastou eu dizer oi e ele seguiu a conversa:

- E aí, rapaz, tudo bem?

Tentei lembrar dele; quem sabe do colégio, Cabral, CEPU, Escola Técnica; nada, não lembrava. 

Resolvi manter a gentileza e mantive a conversa:

- Estou bem, obrigado. E tu, estás bem?

- Ah, estou bem, na luta de sempre. Essa fila não é novidade, mas hoje está demais.

Ele me olhava como se me conhecesse bem e continuou nossa conversa:

- E teus pais, estão bem de saúde? Sinto saudades deles.

Agora eu estava mais assustado, como ele poderia conhecer até meus pais e eu não lembrar dele.  Senti vontade de dizer que ele deveria estar me confundindo, mas havia várias pessoas na fila que ouviam nossa conversa e tive receio de constrangê-lo. Confirmei que meus pais estavam bem e mantive o papo, perguntando:


- E teus pais, estão bem de saúde, estão aposentados?

- Estão aposentados sim e a saúde, razoável.

A fila começava a se movimentar e parecia que alguns que nos olhavam até perguntavam por que ainda não tínhamos trocado um abraço, afinal de contas, era ou parecia o reencontro de velhos amigos. Pensei que já era hora de dizer que havia algum engano, que ele havia me confundido com alguém. Quem sabe se com jeito eu perguntasse seu nome dizendo que havia esquecido, ele perguntaria o meu e veria por conta própria seu engano.
Quando eu ia perguntar seu nome mais uma surpresa do meu “velho conhecido”.

- Ah, eu já ia me esquecendo. Tenho uma fotografia nossa, está em minha carteira, só um instante que vou pegá-la.

Dessa vez quase tive certeza de estar sem memória. Claro que ele me conhecia, tinha até uma fotografia nossa. Pronto, ele estava certo e eu doido. Ele tirou a fotografia da carteira e com o indicador direito apontaria para minha imagem na foto. Gelei. Que loucura. Como podia não me lembrar dele se até uma fotografia comigo ele tinha? Ele baixou a foto e me perguntou:

- Quando foi mesmo que tu destes baixa do exército?

A coisa só piorava. Quem estava louco, eu ou ele? Eu nunca servi o exército. Se eu estivesse mesmo na fotografia teria que procurar por um tratamento psiquiátrico urgente. Ele me mostrou a fotografia e apontou para ele, rindo. Em seguida nós dois procuramos minha imagem na fotografia. Eu olhei os cinco militares e não me reconheci em nenhum deles. Antes que ele notasse isso apontou para um deles e disse:

- Que loucura o João, hein. Cometeu suicídio um mês depois de dar baixa. Mas não estou te encontrando. Claro, desculpe amigo. Quando tiramos esta fotografia tu já havias dado baixa, acho que uma ou duas semanas antes. Lá em casa tenho uma em que estamos juntos. Ainda trabalha no mesmo lugar?

Perplexo com sua convicção e com pena de desagradá-lo, disse que sim, que trabalhava no mesmo lugar. Não sei de que mesmo lugar ele falava. O rapaz estendeu a mão e eu também. Depois ele sorriu e nos abraçamos. Ele foi se afastando e falando ao mesmo tempo:

- Foi bom te reencontrar. Vou dizer aos meus pais que estás bem. Por favor, mande um abraço para os seus. Assim que achar nossa fotografia levo pra ti. Abraço!

Já estava chegando a minha vez de ser atendido. Até hoje penso numa razão para aquela situação. Um reencontro de quem nunca havia se visto antes. Memórias do quartel que nunca frequentei. A prova na fotografia em que eu não estava. Não o constrangi e nem o deixei magoado. Ele fora embora com a sensação de ter encontrado um velho amigo e eu consegui não deixá-lo constrangido com seu equívoco.

 Mas confesso que fiquei curioso em ver a outra fotografia. Sabe lá!


quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Alberto e a viúva


Alberto nunca foi bom com as palavras. Não era incomum olhar para uma mulher com uma barriguinha um pouco evidente e perguntar:

- Está de quantos meses? É menino ou menina?

- Não estou grávida!

Os foras não paravam por aí:

- Oi Ana. Esse é o teu filho mais velho?

- É meu namorado!

 Ao andar com um amigo na rua viu uma senhora e disse:

- Olha lá, Rogério. A vovó vai atravessar a rua sozinha. Coitada.

- É a minha esposa, Alberto.

Por essas e outras Alberto começou a ficar mais calado. Certo dia um amigo de trabalho, o Claudio, disse que o Mário havia morrido. Imediatamente, Alberto lembrou de seu ex vizinho, Mário. Homem trabalhador, cara divertido.

Claudio ainda salientou que Mário andava muito doente havia anos. Estava sofrendo o que chamou de inferno. Na verdade Mário foi libertado de uma agonia, uma prisão, afinal de contas, viver com dores e dependendo da ajuda dos outros, era um inferno mesmo. No fundo, sua esposa deveria ficar até aliviada.

Alberto ouviu tudo aquilo e pensou em Lígia, esposa ou agora, viúva de Mário. Queria poder consolar a pobre viúva. Mas como? O que dizer? E se falasse besteira? E em dar fora Alberto era especialista.

Por duas vezes Alberto viu Lígia e atravessou a rua só para não ter que falar do finado. Não estava pronto para o importante consolo.

Certa noite Alberto parou e pensou. Pensou que já era hora de aprender a se expressar sem falar bobagem, usar bem as palavras. Resolveu treinar sozinho, de frente para o espelho.
Imaginou Lígia. Lembrou de como Mário era e de quanto estava sofrendo. Lembrou das palavras de Claudio. Mário estava livre do inferno que vivia, de todo o sofrimento, da agonia, de uma rotina terrível. Pronto. Já poderia consolar a viúva e não falar besteira. Pelo menos uma vez na vida.

No dia seguinte encontrou Lígia e dessa vez não desviou. Aproximou-se, respirou fundo, e olhando em seus olhos, disse:

- Bom dia, Lígia. Estava há dias para falar contigo. Na verdade pensei muito bem no que deveria te dizer. Por favor, preste atenção a cada palavra minha e veja a sua real situação.

O Mário não merecia o que vinha passando. Um cara do bem, trabalhador, divertido. Ele estava sofrendo demais. Aquilo não era mais vida, era tortura. Imagine a frustração dele. Sua agonia e rotina. Se é que existe esse tal de inferno é o que o pobre do Mário vivia. Agora está livre e em paz.

Lígia ouviu perplexa as palavras de Alberto. Depois de balançar a cabeça olhou bem para ele e disse:

- Cachorro, sem vergonha, nojento. Você é igual ao Mário ou até pior. Aliás, vocês são todos iguais, não valem o que comem. Eu quero mais é que você vá para o inferno e mais, quero que o Mário... 

Melhor eu parar por aqui. Seu idiota!

Alberto ficara perplexo com as palavras de Lígia. Como podia ser tão dura diante palavras consoladoras. E pobre do Mário, não basta o que sofrera. Que tipo de mulher falaria assim?

No dia seguinte assim que chega ao trabalho encontra o amigo, Claudio. Ele o chama e diz:

- Claudio. Não vai acreditar no que aconteceu ontem. Encontrei a mulher do Mário e falei com ela. 

Não vai acreditar no que ela me disse.

Claudio respirou fundo e falou:

- Alberto, não dá pra esperar que ela esteja feliz e calma. Afinal de contas o que o Mário fez foi uma cachorrada sem tamanho. Uma mulher como ela, trabalhadora, linda e educada. Descobriu que o 

Mário a traia há mais de 10 anos. Várias amantes e 2 filhos fora do casamento. Gastava dinheiro até em noitadas. E pior, ele teve a cara de pau de dizer pra ela que ele vivia numa horrível rotina, numa agonia, que sofria ao seu lado, que sua vida era um inferno – Claudio continua seu desabafo:

Dá pra imaginar? A mulher descobriu que o marido é um baita safado e ainda ouve tudo isso. Pobre da Lígia.

Sem entender mais nada, Alberto perguntou:

- Claudio, tu não me disse que o Mário havia morrido?

- Sim, morreu. Mas falei do Mário da dona Soninha. O pobre estava muito mal. O Mário da Lígia é que é um safado e está bem vivo. Ainda bem que você a consolou. Afinal de contas, o que disse a ela?

- Eu? Bem, eu disse o que se diz numa situação dessas. Enfim, falei algumas coisas.


Alberto se afasta de Claudio pensando na pobre Lígia. Ele esfrega a mão na testa e fala baixinho: 

Droga. Consolei a viúva errada!