quarta-feira, 15 de novembro de 2017

A cadeira

A cadeira

Uma vez perguntei a um psiquiatra: A pessoa que é ansiosa faz muitas coisas por ser ansiosa ou é ansiosa por fazer muitas coisas?

Elaborei essa pergunta reflexiva e talvez não tão profunda em outra: Não sei se eu bebo porque a minha mulher me deixou ou se ela me deixou porque eu bebo.

Toda essa minha reflexão veio a partir do momento em que me desfiz de um pedaço de mim.

Estivemos juntos desde outubro de 1996. Até ela manifestar dificuldades em manter seus serviços fomos companheiros de momentos especiais. Ouvimos e presenciamos muitas histórias; ora engraçadas, ora trágicas. Ela por sua vez colaborou de maneira direta em manter minha vida financeira por duas décadas. Ainda que uma vida modesta e simples, mas sem nada faltar.

Ela recebeu e acomodou centenas, talvez milhares de pessoas. Uma coisa é certa; quase 60 mil atendimentos foram realizados sobre seu confortável colo; colo de irmã, da amiga, de mãe. E dela tive a ideia em 2009 de entrar para a comunicação através de nossas experiências. Embora nunca tivesse lhe dado um nome específico, nem foi necessário.

Ela apareceu em fotografias de vários jornais, em imagens de diversos canais e programas de TV e foi mencionada em inúmeros programas de rádio.

Houve um momento em que várias pessoas passaram a me identificar por ela:

Na cadeira do barbeiro - Foi dela, nela e por ela que iniciei na comunicação; livros, colunas em jornais, blog, Portal Instituto Caros Ouvintes Para Pesquisa e Estudo de Mídia e o programa de rádio que seguiu o nome das colunas - Na cadeira do barbeiro.

Já no final de 2013, quando recebi meu registro profissional de jornalista ela estava um tanto cansada e um pouco desgastada. Deveria ter notado e dado mais atenção a minha antiga companheira. Mas o tempo passou e ela perdeu as condições de ser usada, ou melhor, de continuar servindo de colo a tantos amigos frequentadores ou mesmo os de passagem.

A pressão para vendê-la não foi à toa; havia pouco espaço. Ela tomava um pedaço de um espaço do qual por duas décadas fora a rainha; agora tratada como um estorvo, e já havia outra em seu lugar.

Venda, não venda, reforme, mas, por favor, a tire daqui; não há mais espaço para ela.

Certa manhã um colega barbeiro, dedicado e respeitado no ramo, me procurou e disse que ouvira que ela estava a venda. Sim; disse que estava. Ele a levou. Irá reformá-la.

Lá no início quando falei da pergunta feita ao psiquiatra, pensei sobre a minha cadeira: Por que nos apegamos a coisas inanimadas? Por que atribuímos certas qualidades que quase vivificam objetos? Talvez não tenha haver com ansiedade ou loucura; quem sabe nem explicação lógica haja. Mas quem de nós já não sentiu falta de um brinquedo de infância; de um carro; uma casa ou outro objeto ou móvel qualquer? Há os que nunca sentiram; normal, somos diferentes.

Mas aquela cadeira, da marca Status, que comprei em outubro de 1996 e paguei na ocasião 3 vezes de 233 reais; valor total da época de mais de 7 salários mínimos valeu muito mais do que isso.

Valeu mais que o sustento financeiro da família em 20 anos; valeu rumos e caminhos que mostraram que a maravilhosa profissão de barbeiro pode nos levar a conhecer outros “mundos” e ter incríveis experiências.

Ah, se a minha cadeira falasse… E quem disse que ela não fala? Basta prestar atenção!

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Novembro Azul. Calma, é só um toque.

Novembro Azul. Calma, é só um toque.

Álvaro e Juca estavam no bar do seu Arlindo falando sobre futebol; Avaí e Figueirense.

Álvaro, figueirense e Juca, avaiano. Cai, não cai, fica, volta..

Nesse momento chega Roberto. Ele se enche de coragem e diz:

- Vou falar sem vergonha. Fiz o tal do exame do toque. É, aquele mesmo.

Havia mais de 10 homens no bar. A maioria ficou perplexa; sobretudo com uma expressão de Roberto, “vou falar sem vergonha”. Aquilo soou estranho para eles. Seu Arlindo ofereceu uma rodada por conta da casa.

- Roberto, percebendo um certo preconceito, enfatizou:

- É isso aí. Fiz mesmo e não tenho vergonha. E vou fazer uma pergunta, quantos de vocês aqui fumam? Sabiam que depois do câncer de pulmão, o de próstata é o que mais mata homens no Brasil?

Quase todos eram fumantes, então, baixaram a cabeça e tentaram disfarçar.

Quando começaram as piadinhas sobre o exame que Roberto havia feito, Álvaro e Juca entraram na conversa. O primeiro foi Álvaro. Ele relatou:

- Qual é o problema? Eu mesmo fiz o exame e não sou menos homem por isso. O Roberto falou bem, o câncer de próstata é o segundo que mais mata em nosso país. E digo mais, foi tranquilo. Fiz pela primeira vez, não dói nada. E é bem rápido.

Juca entrou na discussão:

- É. Eu também fiz - Álvaro ficou surpreso. Seu bom amigo Juca não havia comentado nada até então. Ele acrescentou - Ninguém é menos homem por fazer o exame do toque, pelo contrário, tem que ser muito macho.

Roberto e Álvaro gostaram da defesa de Juca. Só não entenderam muito bem a parte de ser muito macho. Os bate papos de bares costumam ser francos, ainda que um tanto rudimentares.

Juca passou a explicar com calma e em detalhes como é feito o exame. Alguns se encolhiam. Havia os que riam. Outros respiravam fundo. Juca, Álvaro e Roberto não entenderam porque alguns respiraram fundo. Mas Juca comentou sobre a importância de se fazer o exame e como há possibilidades de cura se descoberto no início.

Roberto disse que o seu médico fora o doutor João Carlos. Álvaro disse que o seu fora o doutor Cláudio. Juca sorriu e disse que o seu também fora o doutor Cláudio.

Álvaro disse:

- O doutor Cláudio é um homem de uns 40 anos, moreno claro, 1,80 de altura, olhos verdes, voz de locutor de FM e muito atencioso.

Juca disse:

- Não, É outro. O doutor que fez meu exame é mais novo. No máximo 30 anos, loiro, olhos azuis, 1.90, parecia malhar muito. É solteiro e mora numa das praias da ilha.

Os demais homens se olharam com certo receio. Perceberam que o exame era fundamental para a vida e resolveram fazer também. Só havia uma dúvida; nunca haviam percebido como os amigos eram tão observadores.

Uns dois meses depois, os mesmos homens, no mesmo bar, falavam a respeito da importância do exame de toque; que não fazê-lo é tolice; ninguém é menos homem por se sujeitar ao teste. Estavam seguros e decididos a repetir no ano seguinte e incentivar todos os demais amigos e familiares a terem essa experiência.

Todos falavam da ausência da dor, do passageiro constrangimento, da importância da vida. Mas preferiram evitar dar detalhes sobre os médicos assim como os 3 primeiros amigos haviam feito. Pensavam que não deveriam expor tanto seus médicos. E vai que naquela roda de mais de 10 amigos o mesmo médico tivesse atendido mais de um deles. Era pessoal demais.

Concordaram que o mais importante é fazer o exame sem medo e sem preconceito. independente do médico!