quinta-feira, 14 de julho de 2016

O monstro e o silêncio


Ela tinha apenas 10 anos de idade e como a maioria das meninas tinha sonhos.

As noites dela poderiam ser embaladas por sonhos e até por pesadelos; quase todos passam por isso. 

Bons sonhos trazem prazer durante o dia. Pesadelos nos fazem acordar assustados e angustiados, mas param por aí. Para um pesadelo comum basta um copo de água ou um abraço afetuoso.

Uma criança deveria poder contar seus pesadelos. Mas  não esse. Por que não? Ele as acompanha mesmo quando estão acordadas. Eis o problema: Não compartilhar, não contar, não ser ouvido.

A menina de 10 anos não mais podia dormir tranquila. Recebia durante a noite a visita de quem deveria passar por ali para contar uma bela história, cantar, orar, beijar e abraçar com ternura e respeito. Mas não há uma bela história, nem um canto ou uma oração, a não ser aquela tentativa de orar ou rezar, interrompidas por beijos e abraços nada desejados, nada afetuosos, nada paternos.

O forte hálito e respiração ofegante sobre seu rosto. Uma barba que arranha sua suave pele. Uma mão toca suas partes íntimas de maneira a não fazer barulhos, não chamar a atenção. Ei, silêncio, tem gente perto. Não há delicadezas nem pudor. Seus órgãos genitais são invadidos pelos dedos do mesmo homem que aponta e diz: “Faça isso ou aquilo... não volte tarde... lave a louça”.

Os dias passam rápido demais. As noites parecem não ter fim. Lá vem ele. Homem confiável. Pai trabalhador. Vizinho respeitado. Tio bem vindo a casa. Avô maduro e experiente. Líder religioso; um homem de deus. Quem acreditaria?

Ele vem todas as noites. Sua mão na vagina e nos seios de menina. Seu membro sexual faz parte do ato. Ele o coloca onde quiser.

Ela já relutou. Acumulou marcas de vários objetos; seja um garfo ou um cinto. Cicatrizes aparecem, mas ninguém vê.

Ninguém nota. Ninguém pergunta. Olhem pra mim. Olhem pra mim. Não aguento mais, é ele.
Não vão acreditar. Mas é ele o meu monstro amante por quem não me apaixonei. Não é meu príncipe encantado.

Se passaram 7 anos. A menina já está com 17. Ele continua transformando noites em pesadelos. 

Gritos na mente e no coração não podem ser ouvidos por qualquer um.
 Ninguém pergunta. Ninguém percebe. Dou gritos a troco de nada? Como de tudo e não quero fazer mais nada? Estou pedindo socorro. É ele. O monstro amante me tirou até a voz. Ele mora ao lado.

A menina enfim fala. O monstro é covarde. Ele acaba com a própria vida. Mas antes de tirar a sua quantas vidas ele destruiu?

Quem é ele? O pai, o padrasto, o tio, o avô, o melhor amigo dos pais, o padre o pastor?

Pode ser qualquer um. É no mínimo inimaginável os efeitos psicológicos sobre quem passa por abusos sexuais. Dizem que no Brasil são 20 crianças por dia, com menos de 9 anos de idade.

E as vozes silenciosas abafadas pelo medo? E os gritos por socorro transformados em rebeldia?

A internet está farta disso. Nas casas e até nas igrejas. Uma dor tão forte e nenhum grito.

Claro, eles ameaçam. Dizem para suas pobres e indefesas vítimas: “Se tu contares vou matar teu pai, tua mãe, tua família”. “Achas mesmo que vão acreditar em ti?”. “Vai dizer que não gostas...?”.

 Na família se custa a acreditar.

 Quando um líder religioso é desmascarado será que vai ser preso ou é transferido para abusar de crianças em outros lugares?

Será que aconteceria com um dos meus? Só acontece os outros. O silêncio releva outra coisa.

As crianças estão bem perto. Monstros também. O silêncio que as cala fortalece aos monstros.

Campanhas são feitas, mas são aproveitadas? O site: www.jw.org  criou um vídeo de menos  de dois minutos , altamente instrutivo, com o tema: Proteja seus filhos.


É tempo de gritar, é tempo ouvir e acima de tudo, é tempo de agir!


O silêncio ainda impera e o monstro pode estar ao lado!

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