segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Dúvida (CONTO INÉDITO)

Álvaro não queria ir ao médico. Relutava e dizia que não tinha medo de morrer e também não tinha pressa. Dizia para a mulher que à cachaça que bebia era um conservante natural. Que o churrasco e a dobradinha eram gastos no suor do trabalho.
Sábado feijoada. Domino churrasco. Quarta dobradinha e sexto mocotó. Quando comprava cigarros olhava para um maço que dizia que fumar causava diabetes e para o outro que causava impotência, e fazia sua escolha. Havia um amigo do Álvaro, o Felisberto que era seu oposto. Felisberto se cuidava até demais. Mal saia de casa. Querendo viver bem mais que seus cinquenta anos foi ao médico. Assim que senta em frente ao médico, afirma:
-Doutor, quero chegar aos cem anos!
Empolgado o médico inicia as perguntas:
-Qual é a sua idade?
-50 anos doutor.
-O senhor fuma?
-Não senhor, nunca fumei.
-Bebe?
-Nem uma gota de álcool.
-Costuma frequentar esses bailes, clubes de dança?
-Não gosto de dançar.
-E viaja com que frequência?
-Não sou de viajar não, doutor.
-O senhor é casado?
-Viúvo. Há quinze anos.
-Mas tem namorada?
-Não. Desde que fiquei viúvo nunca namorei.
-Está envolvido com alguma atividade de caridade ou coisa parecida?
-Não, nem uma. Nem pretendo.
-Seu Felisberto, o senhor tem certeza que quer viver cem anos?
Felisberto sai pensativo e lembra-se do amigo Álvaro. Pensa que o amigo aproveita melhor a vida e fica em dúvida.
Álvaro decide ir ao mesmo médico que atendeu Felisberto. Numa manhã de quinta feira ele é o 3º da fila. Nervoso, pergunta a um homem a sua frente:
-O senhor conhece esse médico?
-Pessoalmente não!- Responde o desconhecido.
Álvaro, desconfiado, pergunta:
-Conhece alguém que já tratou com ele?
-Olha amigo, ele já tratou a minha falecida sogra. Já tratou também meu falecido sogro, um falecido irmão, uma falecida tia. Ah, tratou também um falecido amigo, mas ele não se cuidava muito-
Mais tarde após a consulta, Álvaro vai à casa de Felisberto para pedir alguns conselhos sobre seu modo de vida, quer imitá-lo. Ele bate a porta e uma vizinha diz:
-Seu Felisberto saiu-
-Saiu? O Felisberto saiu?
-É, bebeu vinho aí na varanda, depois se arrumou e disse que ia numa churrascaria e depois no baile-
Álvaro fica em dúvida. O que o médico teria dito a Felisberto? Então, assustado, chega a uma conclusão. “Não acredito, ele se cuidava tanto, não fazia nada o que eu faço. Deve estar muito doente, o doutor deve ter o desenganado. Ele deve estar se despedindo da vida”, pensa Álvaro.
Álvaro encontra o amigo numa churrascaria e embora esteja decidido a mudar de vida, não conta nada a Felisberto, está com pena dele. Felisberto olha para o amigo e diz:
-É Álvaro, você sim soube aproveitar a vida!-
Álvaro, penalizado, olha para Felisberto e diz:
-Mas a partir de agora vou te acompanhar em tudo meu amigo.

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