terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Pior que é


Pior que é


Pior que é. Quantas vezes o amigo leitor ou leitora já ouviu
sa expressão?


Normalmente essa curta e estranha frase vem seguida de
algo difícil ou ruim ao qual o interlocutor concorda querendo
não concordar.

Coisas do tipo: Os times aqui da capital têm mais é que ficar
na série B mesmo. Pior que é.

Ninguém pode confiar em mais ninguém. Pior que é.

As máquinas de cartões de débito e crédito são tão úteis que
até ladrões já estão aceitando. Pior que é.

Mas a frase, e digo isso como testemunha ocular, evita até brigas
e elimina rapidamente discussões.

Meu saudoso amigo, Rona (esse era seu apelido) a usava com
muita frequência. Sempre que havia pelo menos duas pessoas
perto dele discutindo qualquer coisa; política, futebol ou religião,
quando o João dava sua opinião, o Rona dizia: “Pior que é”.

O José defendia outro ponto de vista e olhavam para o Rona que
dizia: “Pior que é”.

Pior é que o Rona não brigava com ninguém, ou quero dizer, melhor.

Alguém dirá: Então esse tal de Rona não tinha opinião própria, concordava
com todo mundo. Pior que é. Ou melhor, não sei.
O ponto é que ele sempre acreditava que os
dois ou mais pontos de vista diferentes tinham lá a sua parcela de razão e
concordava com todos ou não desprezava nenhum.

Ele tinha também a tendência ou defeito de levar tudo ao pé da letra.
Não devia conhecer metáforas. Quando meu sócio na vidraçaria
reclamava que ele perdia e desperdiçava vários pregos, eram uns 5 ou 6,
meu sócio, Lindomar, dizia ao Rona:

- O Rona. Que desperdício, mais de 100 pregos perdidos -

O Rona que não conhecia hipérboles, mas sabia contar juntava os pregos,
os mostrava ao meu sócio e dizia:

- 100 pregos? Isso aqui são 100 pregos? Tu não sabe contar.

E assim o Rona vivia de bem com todos, menos com sua sorte na vida.

O Rona teve um pai cruel, pior que é. Seu pai obrigava os filhos a trabalhar
logo que completavam uns 14 anos; se não colaborassem com as despesas
da casa, nem sequer podiam comer. E não podiam mesmo.

Um dia o Rona fora demitido por conta de fiscalizações de trabalhos de
menores; e isso foi lá por volta de 1983. Seu pai não quis ouvir justificativas.
Deu uma surra no Rona queo deixou 3 dias de cama, nem a aula ele pôde ir.

Então ele conseguiu um serviço qualquer, um que lhe desse dinheiro para
levar ao rigoroso pai.

Um dia o ingênuo Rona precisou queimar alguns objetos na empresa que
ficava perto da sua casa. Em sua inocência ou numa bobeira ainda infantil
deixou que o produto inflamável se espalhasse por suas pernas e acendeu
o fogo. Tragédia.

O fogo não poupou nada da cintura para baixo do Rona. Graves queimaduras
o deixaram com terríveis dores, incontáveis cicatrizes e um jeito de viver bastante
peculiar; passou a ser revoltado com a vida em si; sabe-se lá se não discordar de
ninguém fosse uma necessária calmaria. Nunca mais “acender ou ajudar a
acender uma fogueira que dói e deixa cicatrizes permanentes”.

A revolta com sua sorte na vida não o faziam culpar o pai. Pelo menos ele não
dizia nada, mas nós, os amigos, desenvolvemos um asco as ações de seu pai.

Rona nos fez rir muito e muitas vezes; nos deu importantes lições. E a partir de
hoje a cada crônica em que aparecer no tema - Pior que é - será dedicada a ele.

Há poucos dias ouvi uma amiga muito inteligente dizer: “às vezes é melhor ser
feliz e ficar em paz do que ter razão”.

O Rona, se ouvisse essa frase, com certeza diria: Pior que é.

E diria o mesmo a quem discordasse!



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