quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Um salto para a sobriedade

Hoje levantei de maneira incomum. Antigamente não era difícil sair da cama dessa maneira. Às vezes acordava e quando olhava o relógio saltava da cama. Aliás, saía da cama com grande disposição. Até que hoje não está tão ruim. Afinal de contas poucos com a minha idade fariam o que ainda faço. Estou com 82 anos e mesmo sentindo que algo mudou ainda me surpreendo com minha energia. Quando tinha meus 40 e poucos anos não via mais da vida além do trabalho e das bebidas. O trabalho parecia custar a passar, o tempo parecia custar passar. Não via a hora de chegar a algum bar, passava por vários até chegar em casa. Minha mulher e 3 filhos tinham pouco minha presença. Certo dia um de meus filhos, o caçula, de 11 anos, apareceu em casa com um convite do AA. Não dei à mínima. Já minha mulher no mesmo dia me carregou para uma sala cheia de bêbados como eu. Talvez alguns ali já estivessem sóbrios. Eu não estava. Aquele dia foi marcante. Nunca esquecerei a data de 3 de julho de 1973. Foi à última vez que minha família, amigos - amigos se é que tinha - me viram bêbado. Aos 42 anos iniciava nova vida. Curtiria como dizem hoje os jovens, minha vida, minha família. Passaram-se três anos de uma vida diferente. Livre da dependência. Conversava com minha esposa e meus filhos. Eu os ouvia e eles me ouviam. A trajetória de felicidade foi cortada repentinamente. Numa tarde de inverno em 1976 meu patrão me chamou e disse a pior coisa que um homem pode ouvir. Um homem que é pai ou uma mulher que é mãe jamais deveria receber tal notícia. Meu garoto de apenas 14 anos, aquele mesmo menino que 3 anos antes aceitara um panfleto do AA na rua e o entregara a minha mulher. Maldita ironia da vida. Com a atitude de meu filho fui levado a cura das bebedeiras e agora, 3 anos depois um bêbedo o havia atropelado enquanto voltava do colégio. O bêbado subiu na calçada onde meu garoto caminhava com seus sonhos. Carregava uma alegria contagiante e o sonho de ser jogador de futebol. Não bebo há 40 anos, nem uma única gota de álcool. Hoje sonhei que estava bebendo num bar. Esse tipo de sonho não é incomum. Voltei a dormir. Sonhei então com minha família reunida numa das primeiras ocasiões de fim de semana sem eu estar bêbado. Num daqueles domingos chegou um cunhado com uma garrafa de bebida. Olhei atentamente para aquela garrafa doido para agarrá-la e esvaziá-la não numa pia, mas na minha boca seca de vontade. Por um instante olhei para meu filho e vi em seu olhar a pesquisa de minha decisão. Sonhei com esse dia. Lembrei de meu filho. Saltei da cama como se estivesse atrasado para o mais importante de todos os compromissos. Fui ainda cedo a uma sala de AA. Um dia alguém leu uma passagem bíblica onde dizia que um dia eu reencontraria meu filho. Falaram em ressurreição. Não me aprofundei nessa ideia até aquele dia. Imaginei que quando tiver a oportunidade de abraçá-lo de novo quero afirmar a ele que nunca, nunca mais coloquei álcool em minha boca. Com tudo que bebi cheguei até aqui. Meu filho viveu apenas 14 anos e eu 82 e sabe lá até quando. Amanhã quero acordar mais tranquilo. Não me contento em sentar numa praça e lamuriar. Meu garoto meu ajudou e vou continuar ajudando outros que bebem como eu bebia. Como me disse aquele consolador com uma Bíblia na mão: vocês se reencontrarão. Só então vou querer saltar da cama como hoje. Para abraçá-lo!

Nenhum comentário:

Postar um comentário